quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

DUAS DÚZIAS DE COISINHAS À-TOA QUE DEIXAM A GENTE FELIZ...



Passarinho na janela, pijama de flanela, brigadeiro na panela.

Gato andando no telhado,cheirinho de mato molhado,disco antigo sem chiado.

Pão quentinho de manhã, dropes de hortelã, grito de Tarzan.

Tirar a sorte no osso, jogar pedrinha no poço, um cachecol no pescoço.

Papagaio que conversa, pisar em tapete persa, eu te amo e vice-versa.

Vagalume aceso na mão, dias quentes de verão, descer de corrimão.

Almoço de domingo, revoada de flamingo, herói que fuma cachimbo.

Anãozinho de jardim, lacinho de cetim, terminar o livro assim.


Otávio Roth

A FELICIDADE ME CONSOME



Desculpe-me se já não me lembro de ti
Como outrora, dia a dia ,
a tua imagem estava aqui...

Perdoe-me, mas ando tão atarefada

Que saber se tens outra amada
Já não faz sentido pra mim.

Passo meus dias risonha

E em tão boa companhia
Que chega a ser novidade
Essa tal Felicidade
Ocupar tanto os meus dias...


Rose Felliciano

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

PIEDOSA MENTIRA



Ontem na tarde loura e de aquarela,
alguém me perguntou: “Como vai ela?
Como vai teu amor?” - Eu respondi:
” Não sei. Uma mulher passou na minha vida,
mas não lembro… ” E, nessa hora comovida,
como nunca lembrava-me de ti!

E menti por pudor… A mágoa que alvoroça
nosso peito é tão santa, tão pura, tão nossa
que se esconde aos demais.
E se uma voz indaga contristada:
” Estás sofrendo?” - “Não, não tenho nada…”
E é quando a gente sofre mais…


Menotti Del Picchia

domingo, 20 de fevereiro de 2011

LIBERDADE CONDICIONAL



De que vale essa liberdade doída

Se minhas asas estão atrofiadas?

Que adianta a porta da gaiola aberta

Se o é céu cinza

E a tempestade pesa o vôo?


Quede o verão?

Quede meu canto?


Roubaram-me o sol

Queimaram as partituras

Calaram a melodia


Conforta-me a certeza

De que após o inverno

Virá nova primavera


Nascerão todos os sóis

Haverão outras sinfonias

Voar se fará possível

No céu, nos ventos, nos dias


Célia Sena

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

A CESTINHA DE COSTURA



Não quero panteons não quero mármores
Não sonho a eternidade fria, escura...
Minha glória ideal é o quente abrigo
De uma pequena cesta de costura.

À sombra dos terraços florescentes

Entorna a violeta a essência pura:
Flores d'alma recendem mais fragrância
Numa pequena cesta de costura.

Batida pelos corvos da procela,

A pomba a era tímida procura:
Pousa minh’alma foragida as asas
Nesta pequena cesta de costura.

Astros que amais a espuma das cascatas!...

Orvalhos que adorais do lírio a alvura!
Dizei se há menos lânguidos arminhos
Nesta pequena cesta de costura.

Nesse ninho de fitas e de rendas...

No perfume sutil da formosura...
Vão meus versos viver de aroma e risos
Entre as flores da cesta de costura.

E quando descuidada mergulhares

Esta mão pequenina, santa e pura,
Possam eles beijar teus níveos dedos
Escondidos na cesta de costura.


Castro Alves

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

FELICIDADE EU INVENTO



Não precisa de nome
Este estado gostoso
E a atmosfera perfeita
Em que me envolvo

Quero realmente isto:

O sorriso de improviso
E o compromisso único
Que tenho comigo

Ter simplesmente o intuito

De mostrar ao mundo
Que vale a pena cada momento

E mesmo que tudo diga o contrário

Aposto no imaginário...
-Minha felicidade eu invento!


Rose Felliciano

LÁGRIMA DE PRETA



Encontrei uma preta

que estava a chorar,

pedi-lhe uma lágrima

para a analisar.


Recolhi a lágrima

com todo o cuidado

num tubo de ensaio

bem esterilizado.


Olhei-a de um lado,

do outro e de frente:

tinha um ar de gota

muito transparente.


Mandei vir os ácidos,

as bases e os sais,

as drogas usadas

em casos que tais.


Ensaiei a frio,

experimentei ao lume,

de todas as vezes

deu-me o que é costume:


nem sinais de negro,

nem vestígios de ódio.

Água (quase tudo)

e cloreto de sódio.


António Gedeão

SEQUESTRO PASSIONAL



A palavra é pra mim
como o peixe é pra quem pesca
pescador paciente
sempre espero a hora certa

palavra é bicho do mato
(matreira feito o corisco)
um passo em falso
e caímos os dois
em íngreme precipício

cada palavra escolhida
registra a alma
e não mera caligrafia

a palavra vive em mim
é meu sangue e minha sina.


Marcelo Mourão

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

HÁ SEGREDOS NO VENTO



Levo-te ao sabor do vento
Quando quiseres
Todos os segredos do mundo
Do Norte ou do Sul
Isso não importa, no fundo
Se escutar puderes

Porque eu…
Ainda inquieto pela brisa agreste
Das palavras que me fizeste
Confio-te os segredos meus
Para que eles possam também ser teus

Segredos valiosos esses
Que podes contar a todos
Em todos os amanhãs que vierem
E assim bem soltos os segredos
saberás os meus e eu os teus

E perderás todos os medos
Porque eu…
Levo-te ao sabor do vento
Todos os segredos.



Raul Alberto Cordeiro

ROSA CHÁ



Já não me domino.
Nem a vida em minha volta,
nem à tarde que se solta,
nem tão pouco as horas...
Nada me obedece.

Meu lápis,
outrora passivo
e agora animado...
vai e vem sem crivo
no papel desbotado.

E eu,
que resmungava de tudo,
me pego a dançar mudo
e a sorrir na tua rua,
na esperança nua
de te ver na janela.

E você... à espreita,
no fim da tarde perfeita
se confunde no horizonte
a despencar além do monte,
e gargalha do meu desejar.

E assim,
sem piedade de mim,
como vil e sem clemência
me revela a transparência
do teu veneno que só há
em teu vestido rosa chá.


Anderson Julio Lobone

RECORDAÇÃO



O nevoeiro é espesso
Baço como a recordação de ti
A chuva escorre latente na janela
E o vento murmura lá fora
Tudo gira e revira do avesso
Papeis esvoaçam e passam aqui
Tudo me lembra dela
E estou tão sozinho agora

Os meus olhos fecham
E regressas para me assombrar
Percorro as linhas da tua face
Suavemente com as pontas dos meus dedos
E os teus risos não me deixam
Ecoam sem parar
Sem que esta loucura me passe
Eu revivo os meus medos

Já está tudo tão distante
Tênue, desaparecido
Gasto como um velha fotografia
Despojada de todo o encanto
E assim continuo errante
Como se nunca tivesse sido
Como se nunca num esquecido dia
Te tivesse amado tanto.


João Natal