quarta-feira, 30 de novembro de 2011

SOU LOUCO


Já vou avisando
Falo com anjos
Paquero borboletas
Flores encantam-me
Sou capaz desligar-me
Ao vento que trás vozes
Adocicadas ao meu ouvido
Falo sozinho pra vc que lê
Perco-me nas paisagens
De minha mente veloz
Sou um pouco atroz
Cabeçudo mesmo...
...Sou assim...
Um tanto largado
Um pouco enjoado
Algumas vezes
Estilhaçado

...riu...

Sou engraçadamente sério
Sisudo, às vezes, me calo
Sofro sozinho, me desespero
Mas não quero... Espero

Só não me veja
Mais louco que sou
Não sou do mal
Só sou...
Honestamente
Louco... Louco...


Flavio Castorino

EXALTAÇÃO


Venha!
Venha uma pura alegria
Que não tenha
Nem a senha
Nem o dia!

Abra-se a porta da vida
Sem se perguntar quem é!
E cada qual que decida
Se quer a alma aquecida
No lume da nova fé.

Venha!
Venha um sol que ninguém tenha
No seu coração gelado!
Venha
Uma fogueira de lenha
De todo o tempo passado!


Miguel Torga

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

POEMA DA ARROGÂNCIA


O que me é pouco
aos pobres é muito
mesmo os ricos
benfazejos e promíscuos
alimentam-se com escória.

Perdeu-se na história
o gosto pelo mais fino.
O que é esdruxulo
no presente,
torna-se no futuro um luxo.

Meus poemas são assim
sem padrão
nem perdão.
São beleza aos teus olhos
É fácil escrever
belas palavras
Não é fácil escrever
belos poemas.

Mortais escrevem
com a pena
Poetas escrevem
com a alma.


Luigi Rajão

SER MULHER


Ser mulher não é ter nas formas de escultura,

No traço do perfil, no corpo fascinante,
A beleza que um dia o tempo transfigura
E um olhar deslumbrado atrai a cada instante...

Ser mulher não é só ter a graça empolgante,
O feitiço absorvente, a lascívia e a ternura;
Ser mulher não é ter na carne provocante
A volúpia infernal que arrasta e desfigura...

Ser mulher é ter na alma essa imortal beleza
De quem sabe pensar com toda a sutileza
E no próprio ideal rara virtude alcança...

É ter, simples e pura, os sentimentos francos,
E ainda no fulgor dos seus cabelos brancos,
Sonhar como mulher, sentir como criança!


Carmen Cinira

quinta-feira, 17 de novembro de 2011



Saudade
quando chega
ninguém
se aconchega
não tem
jeito não
Saudade
quando aperta
a alma
fica deserta
tudo passa
a ser solidão
Saudade ingrata
você
quase me mata
Miúdo fica
o coração
Saudade triste
nada mais
existe
Me sinto só e vazio
em meio a multidão


GilbertoMaha

SEM SOLUÇÃO


Como não pude aprender algo
para chegar a ser alguém,
eu me dedico a bancar o escritor
para matar tempo.

Distração de loucos,
ofício de famintos,
disseram-me uma vez.

Outros correm,
invertem o dia
fazendo dinheiro.

Eu faço poesia.

Para que serve poesia?

Sabe-se lá.


Humberto Ak'abal

BAZAR DE ESPANTOS


Eu não tenho palavras, exceto duas
ou três que me acompanham desde sempre
desde que me desentendo por gente,
nas priscas eras em que era eu mesmo.
agora sou uma espécie de arremedo,
despido das minhas divinaturas.
Já não me atrevo ao ego sum qui sum.
Guardo no entanto em meu bazar de espantos
a palavra esplendor, a palavra fúria,
às vezes até me arrisco à palavra amor,
mesmo sabendo por trás de suas plumas
a improvável semântica das brumas
o rastro irremediável de outro verso
ou quem sabe a sintaxe do universo.


Rodrigo Garcia Lopes

QUANDO NÃO SE ACREDITA


A vida até que é boa
quando você não acredita
em comerciais de margarina
em novelas do manoel carlos

A vida até que é boa
quando você não acredita
em deus e o diabo
no certo e no errado

A vida até que é boa
quando você não acredita
em previsão do futuro
em remissão do passado

A vida é boa
quando não se acredita
quando ela simplesmente
(se fingindo acaso)
te surpreende.

Beatriz Provase

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

PALAVRAS


As palavras do amor expiram como os versos,
Com que adoço a amargura e embalo o pensamento:
Vagos clarões, vapor de perfumes dispersos,
Vidas que não têm vida, existências que invento;

Esplendor cedo morto, ânsia breve, universos
de pó, que o sopro espalha ao torvelim do vento,
raios de sol, no oceano entre as águas imersos
-As palavras da fé vivem num só momento…

Mas as palavras más, as do ódio e do despeito,
O “não!” que desengana, o “nunca!” que alucina,
E as do aleive, em baldões, e as da mofa, em risadas,

Abrasam-nos o ouvido e entram-nos pelo peito:
Ficam no coração, numa inércia assassina,
Imóveis e imortais, como pedras geladas.


Olavo Bilac

SE MINHAS MÃOS PUDESSEM DESFOLHAR


Eu pronuncio teu nome
nas noites escuras,
quando vêm os astros
beber na lua
e dormem nas ramagens
das frondes ocultas.
E eu me sinto oco
de paixão e de música.
Louco relógio que canta
mortas horas antigas.

Eu pronuncio teu nome,
nesta noite escura,
e teu nome me soa
mais distante que nunca.
Mais distante que todas as estrelas
e mais dolente que a mansa chuva.

Amar-te-ei como então
alguma vez? Que culpa
tem meu coração?
Se a névoa se esfuma,
que outra paixão me espera?
Será tranqüila e pura?
Se meus dedos pudessem
desfolhar a lua!


Federico Garcia Lorca

sexta-feira, 4 de novembro de 2011


Nada que reflete
arremessa
ameaça
estremece

a minha pressa
não permite
ver o visto
sem ver o vasto

o que não remete
não me interessa
não me atiça

o que não existe
é relativo
se num dia me matam
no outro
já estou vivo.


Claudio Schuster

NÃO PISO EM OVOS


Não piso em ovos
para preservar
a paz encerada
engraxada
que guarda
o sorriso de Monalisa

Não piso em ovos
e todo cuidado
é m.u.i.t.o.
capacete demais
pra tanta
cabeça de vento

Eu prefiro enfiar o pé na jaca
mergulhar de cabeça
dar murro em ponta de faca
a pisar em ovos

Pisar em ovos
é tortura
Resistência não é força
é cabeça-dura
e o que você
chama de coragem
não passa de armadura.


Karla Jacobina

No céu de todo coração
Tem dia que chove
Tem dia que venta
Tem dia que esquenta.

No meu, quando te vejo
Arregala um sol
Tão grande
Tão feliz
Tão amarelo
Que eu até me esfarelo...

De amor.

Pedro Antonio de Oliveira

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

PALHAÇO DE MIM


Tira a máscara palhaço,
deixa a lágrima rolar,
Palhaço do peito de aço
caminha no teu cadafalso
nos lábios o gosto do mar.
Deixa rolar a tristeza
em gotas salobras na face
baixou o pano, certeza,
esquece a tua grandeza
tira da cara o disfarce
Chora palhaço o teu pranto
ninguém há de o perceber
pranteia só, no teu canto,
esconde de todos o espanto
d'o palhaço também sofrer.


Jorge Linhaça