segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

ANÚNCIO


Vendo casinha bangalô, branca caiada
Defronte a um lago,
Rodeada por varandas, rede já disponível.

E tem serras lindas ao redor,
Donde, nas manhãs, se vê o sol nascer,
Resplandecendo todo vale ainda molhado,
Com o sereno da noite.

É soprada por brisas cálidas,
Sombreado por palmeiras e flores,
Onde borboletas passeiam sem norte,
E sabiás brincam pra quem estiver na varanda,
E gostar do seu melancólico cantar.

E no final da tarde,
Enquanto o sol se esconde,
E a noite vai chegando mansa,
Ouve-se sussurrar de grilos e sapos,
Sinfonia que acalenta os ouvidos.

E se você tiver um grande amor,
Aconchegado no peito,
Enquanto balanga a rede,
A noite vai cobrir todos os atos,
Proteger toda luxúria,
Encobrir gestos e trejeitos,
Até o cansaço e o sono chegar.

Aceito troca,
Que seja por uma mala vazia,
Em boas condições,
Onde caibam pequenos pertences,
Que seja robusta,
Para segurar os trancos de um caroneiro
Que sairá pelas estradas,
Em busca de novo sonho.


Eacoelho

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012


O vento é um doce pássaro
de asas abertas, de bicos pontudos,
Rondando-me e atraindo-me,
tentando me afastar de ti.

Não, não quero ir!
Quero abraçar a vida e o amor,
passar meus dias em teus braços,
caminhando lado a lado.

Guarda-me em teu peito,
silencia meu compasso,
apenas por uns instantes,
até que ele não mais sopre e me esqueça.

Faze de teu corpo meu albergue,
enquanto a tempestade busca outros caminhos,
outros amantes,
outros rochedos.

Ouve o som da revoada!
É o vento me querendo,
me caçando,
tentando me levar pra longe.

Não, amado, não deixa!
Cobre-me com teu corpo,
abraça-me com teu amor,
aquece-me com teu calor,
que ele passará e pousará
noutro corpo sem alento.

Vai, esquece o vento!
Deixa que parta,
que me procure louco,
vendavais e tormentas,
por entre vales, montanhas, oceanos,
que eu me enterro em teu sorriso,
e durmo tranqüila, protegida,
por um instante.


Lílian Maial

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

ÁGUA PERRIER


Não quero mudar você
nem mostrar novos mundos
pois eu, meu amor, acho graça até mesmo em clichês.

Adoro esse olhar blasé
que não só já viu quase tudo
mas acha tudo tão déjà vu mesmo antes de ver.

Só proponho
alimentar seu tédio.
Para tanto, exponho
a minha admiração.
Você em troca cede o
seu olhar sem sonhos
à minha contemplação:

Adoro, sei lá por que,
esse olhar
meio escudo
que em vez de meu álcool forte pede água Perrier.


Antonio Cícero

AO MEU AMADO


Não permita que a vida
lhe escorra pelos dedos...
Tanta beleza por viver,
tanta tristeza a padecer...
tantos risos a se gargalhar.
Não fuja do amor por medo,
pois de todos haveremos
um dia nos separar...
Não deixe de viver
este lindo momento
que o faz vibrar
e jamais fugirá
de seu nobre
ou lascivo pensamento...
Viva intensamente,
beba o cálice até a borda,
pois vida, meu amado,
não sei se outra lhe será dada...
Cante com as manhãs,
adormeça com as estrelas,
deixe que a lua de prata
ilumine sua alcova
e seus sonhos mais sublimes
e loucos...
Ouça os pássaros,
veja as flores,
sinta o perfume
que aromatiza o ar...
Ouça o silêncio
e os sons da mata!
Viva! Viva plenamente!
Pois vida é Amor,
Vida é beleza,
é ter em tudo ardor,
paixão de se doer!...


Maria Luiza Silveira Teles

domingo, 12 de fevereiro de 2012

PEDRA FILOSOFAL


Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,

como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos

como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam
como estas árvores que gritam
em bebedeiras de azul

eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento
bichinho alacre e sedento
de focinho pontiagudo
que fuça através de tudo
no perpétuo movimento

Eles não sabem que o sonho
é tela é cor é pincel
base, fuste ou capitel
arco em ogiva, vitral

Pináculo de catedral
contraponto, sinfonia
máscara grega, magia
que é retorta de alquimista

mapa do mundo distante
Rosa dos Ventos Infante
caravela quinhentista
que é cabo da Boa-Esperança

Ouro, canela, marfim
florete de espadachim
bastidor, passo de dança
Columbina e Arlequim

passarola voadora
pára-raios, locomotiva
barco de proa festiva
alto-forno, geradora

cisão do átomo, radar
ultra-som, televisão
desembarque em foguetão
na superfície lunar

Eles não sabem nem sonham
que o sonho comanda a vida
e que sempre que o homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos duma criança.


António Gedeão

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

PILEQUE DE PALAVRAS


Entro no poema sem pedir licença
sem medir limites - livre e sem pudor
entro de cabeça entro inteiro dentro

desnudo e em espasmo mergulho me perco
me afogo e me engasgo - susto transe surto
quase sofrimento quase-quase orgasmo

saio do poema como quem renasce
tonto e muito louco - quase sangro sempre
quase sempre gozo e sempre morro um pouco.


Cairo Trindade

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

UM DESEJO


O poeta calado
é como a flor a esconder suas pétalas
ou uma palavra sem sílabas
um poema sem verso
lá no fim dos confins do universo
sem poeta e sem leitor
um candidato a deputado
sem mandato ou eleitor
é como o pôr-do-sol em preto e branco
ou um bailirino manco
uma dançarina sentindo dor
o poeta calado
é um folha seca apodrecendo no charco
um furo no casco de um barco
afogando o remador
é o silêncio do som
o olvido do olfato
a negritude da cor
o poeta calado
é uma embarcação encalhada
a limpeza emporcalhada
o desamor do amor
um avião que não voa
um talento vivendo à toa
amante sem amador
passarinho sem canto
a tristeza sem pranto
alegria sem esplendor
um pomar cheio de frutas carnudas
que o dono proibiu de colher
é a liberdade que um dia tive
mas que alguém resolveu me tolher.


Benno Assmann