Segue teu caminho,
rega as tuas plantas,
ama tuas rosas.
O resto é a sombra
de árvores alheias.
A realidade
sempre é mais ou menos
do que queremos,
só nós somos sempre
iguais a nós próprios.
Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
como ex-voto aos deuses.
Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
dizer-te. A resposta
está além dos deuses.
Mas serenamente
imita o Olimpo
no teu coração.
Os deuses são deuses
porque não pensam.
Fernando Pessoa
quinta-feira, 29 de abril de 2010
ODE
sexta-feira, 23 de abril de 2010
PARADOXO
A dor que abate, e punge, e nos tortura,
que julgamos as vezes não ter cura
e o destino nos deu e nos impôs,
- é pequenina, é bem menor, é até
já não é dor talvez, dor já não é
dividida por dois!
A alegria que as vezes num segundo
nos dá desejos de abraçar o mundo
e nos põe tristes sem querer, depois,
- aumenta, cresce, e bem maior se faz,
já não é alegria é muito mais,
dividida por dois.
Estranha essa aritmética da Vida
nem parece ciência, parece arte,
compreendo a dor menor, se dividida,
não entendo, é aumentar nossa alegria
se essa mesma alegria se reparte!
J. G. de Araújo Jorge
quinta-feira, 22 de abril de 2010
TUAS MÃOS
São mãos de carícias:
afagos aconchegantes
abraços calorosos
São mãos de fogo:
desejos indizíveis
luxúrias gritantes
São mãos úmidas:
ensopam o corpo
evaporam prazeres
São mãos enormes:
vastas como as planícies
vagas como os hiatos
[entre os dedos]
São mãos de tentação:
destilam essências
famintas, convidativas
São mãos que
roubam a sensatez
propagam vontades camufladas,
atiçam ébrios quereres.
São mãos, de perdição.
Fernanda Passos
domingo, 18 de abril de 2010
POEMINHA AMOROSO
Este é um poema de amor
tão meigo, tão terno, tão teu...
É uma oferenda aos teus momentos
de luta e de brisa e de céu...
E eu,
quero te servir a poesia
numa concha azul do mar
ou numa cesta de flores do campo.
Talvez tu possas entender o meu amor.
Mas se isso não acontecer,
não importa.
Já está declarado e estampado
nas linhas e entrelinhas
deste pequeno poema,
o verso;
o tão famoso e inesperado verso que
te deixará pasmo, surpreso, perplexo...
eu te amo, perdoa-me, eu te amo...
Cora Coralina
ATALHO
As dores das flores.
As vozes das nozes.
O cheiro das cores.
O silencio dos albatrozes.
Sou o centro do meu universo.
De dia o som do tempo.
De noite escuro eterno.
O contorno do invisível.
A explicação do indizível.
Espio, explico e complico.
Sem saber se é frente ou verso.
Jonas Rogério Sanches
quinta-feira, 15 de abril de 2010
CATIVA-ME
Invade meu coração docemente...
sem que eu perceba, derruba minhas bastilhas
e deixa-me exposta, assim, nua...
despida de todas as defesas,
entregue ao mistério da magia tua...
Desfaz com o toque mais suave
a resistência de meus músculos,
alivia esta pressão em minha nuca
e cobre com teus beijos,
a lassitude que pouco a pouco me domina...
Cativa-me...
Com teus olhos amorosos adentra minh’alma!
percorre meu interior com a calma desse olhar iluminado,
fita-me longamente, em silêncio total...
deixa que eu escute o murmúrio de teu coração...
recebe minha entrega como um ritual
Cativa-me...
Aquieta essa agonia, essa premência,
com tua paz... ensina-me como se faz...
contamina meu coração de serenidade,
e segreda aos meus ouvidos os mais doces versos
de um amor quase divino,
as confissões de um menino,
os desejos do amante, as verdades do amigo,
do irmão, os cochichos tão antigos...
Cativa-me!!
Meus sentimentos com capricho enlaça e cuidadosamente,
sob o manto de tua intimidade
aninha-me nesse laço...
dá-me a confiança há muito roubada
exorcisa a insegurança exagerada...
Cativa-me...!
Perde comigo o tempo necessário e me resgata!
Afugenta meus temores,
liberta-me de falsos amores, acorda-me!
Desperta-me do sono que domina
a mulher e a menina...
acorda em mim a alegria esfuziante
dos insensatos amantes...
enfeita o caminho por onde vou passar
com as flores mais bonitas e coloridas fitas...
Cativa-me!!
Tira-me de dentro de mim!!
ensina-me os passos rumo ao infinito
e nesse torpor bendito,
ao meu lado... mansamente...
colhe o fruto semeado,
depois de ter me cativado!!
Sylvia Cohin
BIOGRAFIA
Sonho, mas não parece.
Nem quero que pareça.
É por dentro que eu gosto que aconteça
A minha vida.
Íntima, funda, como um sentimento
De que se tem pudor.
Vulcão de exterior
Tão apagado,
Que um pastor
Possa sobre ele apascentar o gado.
Mas os versos, depois,
Frutos do sonho e dessa mesma vida,
É quase à queima-roupa que os atiro
Contra a serenidade de quem passa.
Então, já não sou eu que testemunho
A graça
Da poesia:
É ela, prisioneira,
Que, vendo a porta da prisão aberta,
Como chispa que salta da fogueira
Numa agressiva fúria se liberta.
Miguel Torga
segunda-feira, 12 de abril de 2010
EXPRESSÃO
A arte é a expressão plástica do espírito
E o meu, livre, infinito e criativo manifesta-se com o ar
Como um grande véu nas mãos a dançar no vento
Muda suas formas, muda de direção sem hesitar.
É urgente, mas sabe esperar quando há calmaria
É fino, sutil, mas tecido por fibras fortes...
Não se aprisiona, dança a melodia dos ventos
Vaga pelo céu e chão...
Suja-se de lodo e é purificado pelas chuvas...
É pisado, acariciado...
Envolvente e aconchegante.
Meu espírito dança, voa, rodopia.
Cria e recria-se diariamente...
Cria laços, elos, nós.
Quanto mais forte mais brilha
Se tão só, desatina.
O só não é a falta de presença
Mas a presente falta de si mesmo.
E toda falta é sombria, seca, vazia.
A vida é a arte de estarmos cheios, de nós mesmos.
Estou me habitando.
Sou minha melhor inquilina...
E em mim, só entra quem eu deixar.
Teço a teia de minha própria vida; hoje, sem nós.
Minha expressão é a melhor
É moldada pelas estrelas, vento e chuva
É a expressão mais pura
Antiga e sagrada canção de adoração em coro
De muitas almas e vidas que, em equilíbrio,
Fazem de um pano velho, virar ouro.
Carolina Salcides
PALAVRAS MINHAS
Palavras que disseste e já não dizes,
palavras como um sol que me queimava,
olhos loucos de um vento que soprava
em olhos que eram meus, e mais felizes.
Palavras que disseste e que diziam
segredos que eram lentas madrugadas,
promessas imperfeitas, murmuradas
enquanto os nossos beijos permitiam.
Palavras que dizias, sem sentido,
sem as quereres, mas só porque eram elas
que traziam a calma das estrelas
à noite que assomava ao meu ouvido...
Palavras que não dizes, nem são tuas,
que morreram, que em ti já não existem
- que são minhas, só minhas, pois persistem
na memória que arrasto pelas ruas.
Pedro Tamen
segunda-feira, 5 de abril de 2010
ÔNUS
A esperança me chama e eu salto a bordo
como se fosse a primeira viagem.
Se não conheço os mapas, escolho o imprevisto;
qualquer sinal é um bom presságio.
Seja como for, eu vou, pois quase sempre acredito.
Ando de olhos fechados
feito criança brincando de cega.
Mais de uma vez saio ferida ou quase afogada,
mas não desisto.
A dor eventual é o preço da vida:
passagem, seguro e pedágio.
Lya Luft
AMAR PODE DAR CERTO
Neste momento, penso em você
e então quisera me transformar
em vento.
E se assim fosse,
chegaria agora
como brisa fresca
e tocaria de leve sua janela.
E se você me escuta
e me permite entrar,
em você vou me enroscar
quase sem o tocar.
Vou roçar nos seus cabelos,
soprar mansinho no ouvido,
beijar sua boca macia,
o embalar no meu carinho
Mas eu não sou vento...
Agora sou só pensamento
e estou pensando em você.
E se abrir sua janela,
eu estou chegando aí,
agora... neste momento,
em pensamento... no vento.
Roberto Shinyashiki
sábado, 3 de abril de 2010
O TEMPO PASSA? NÃO PASSA
Lá dentro, perdura a graça
do amor, florindo em canção.
O tempo nos aproxima
cada vez mais, nos reduz
a um só verso e uma rima
de mãos e olhos, na luz.
Não há tempo consumido
nem tempo a economizar.
O tempo é todo vestido
de amor e tempo de amar.
O meu tempo e o teu, amada,
transcendem qualquer medida.
Além do amor, não há nada,
amar é o sumo da vida.
São mitos de calendário
tanto o ontem como o agora,
e o teu aniversário
é um nascer a toda hora.
E nosso amor, que brotou
do tempo, não tem idade,
pois só quem ama escutou
o apelo da eternidade.
Carlos Drumond de Andrade
sexta-feira, 2 de abril de 2010
HOJE EU ESTOU INABITÁVEL
Eu hoje estou inabitável...
Não sei por quê,
levantei com o pé esquerdo:
o meu primeiro cigarro amargou
como uma colherada de fel;
a tristeza de vários corações bem tristes
veio, sem quê, nem por quê,
encher meu coração vazio...vazio...
Eu hoje estou inabitável...
A vida está doendo...doendo...
A vida está toda atrapalhada...
Estou sozinho numa estrada
fazendo a pé um raid impossível.
Ah! se eu pudesse me embebedar
e cambalear...cambalear...
cair, e acordar desta tristeza
que ninguém, ninguém sabe...
Todo mundo vai rir destes meus versos,
mas jurarei por Deus, se for preciso:
eu hoje estou inabitável...
Abgar Renaud