segunda-feira, 29 de março de 2010

O APANHADOR DE DESPERDÍCIOS



Uso a palavra para compor meus silêncios.

Não gosto das palavras

fatigadas de informar.

Dou mais respeito

às que vivem de barriga no chão

tipo água, pedra, sapo.

Entendo bem o sotaque das águas.

Dou respeito às coisas desimportantes

e aos seres desimportantes.

Prezo insetos mais que aviões.

Prezo a velocidade

das tartarugas mais que a dos mísseis.

Tenho em mim esse atraso de nascença.

Eu fui aparelhado

para gostar de passarinhos.

Tenho abundância de ser feliz por isso.

Meu quintal é maior do que o mundo.

Sou um apanhador de desperdícios:

Amo os restos,

como as boas moscas.

Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.

Porque eu não sou da informática:eu sou da invencionática.

Só uso a palavra para compor meus silêncios.


Manoel de Barros

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