quarta-feira, 18 de setembro de 2013

EU TE AMO




Eu te amo
Antes e depois de todos os acontecimentos,
Na profunda imensidade do vazio
E a cada lágrima dos meus pensamentos.
Eu te amo
Em todos os ventos que cantam,
Em todas as sombras que choram,
Na extensão infinita dos tempos
Até a região onde os silêncios moram.
Eu te amo
Em todas as transformações da vida,
Em todos os caminhos do medo,
Na angústia da vontade perdida
E na dor que se veste em segredo.
Eu te amo
Em tudo que estás presente,
No olhar dos astros que te alcançam
E em tudo que ainda estás ausente.
Eu te amo
Desde a criação das águas,
desde a idéia do fogo
E antes do primeiro riso e da primeira mágoa.
Eu te amo perdidamente
Desde a grande nebulosa
Até depois que o universo cair sobre mim
Suavemente.


Adalgisa Nery
 
 
Sei que depois sinto remorsos
de ser tão estupidamente malcriada
de falar tanto e ser tão atirada,
uma lagarta tamborila nervosa
seus pezinhos em cima da mesa,
me desculpe
todos os dias prometo
hei de ser mais indefesa
mais contida. Quieta como
uma japonesa.
Mas de repente essa coisa desfraldada
desbocada, destemida, que eu sei
que te incomoda
explode inteira cor-de-rosa
perigosamente sulferina.
Qualquer pequena luz
pra mim é festa e me ilumina.


Bruna Lombardi

BRANCAS NUVENS

 
 
Quem passou pela vida em brancas nuvens
e em plácido descanso adormeceu.
Quem nunca bebeu das fontes da alegria,
da paz, do amor, do silêncio e da harmonia.
Quem nunca se deleitou com a meditação.
Quem nunca experimentou o êxtase interior.
Vegetou.
Se arrastou do útero à cova...
Foi um espectro de homem, não foi homem.
Só passou pela vida, não viveu.


Fernando Pessoa

CHOVE!

 
Chuvinha melancólica lá fora
A cidade pinga, goteja, escorre..

Em dias assim fico nostálgica
Voltam as dores de antigos amores
Relembro esquecidos adeuses
Qual lenços brancos acenando
Para velhos navios naufragados

Em dias assim...não sei porquê
se chove lá fora
A tristeza chega junto com os pingos
E chove também dentro de mim.


Lenise Marques

ENVELHECER


Antes, todos os caminhos iam,
hoje, todos os caminhos vêm…
A casa é acolhedora, os livros poucos
E eu mesmo sirvo o chá para os fantasmas…

Silêncio, solidão, serenidade.
Quero morrer na selva de um país distante…
Quero morrer sozinho como um bicho!
Adeus, cidade maldita.

Que lá se vai o teu poeta.
Adeus para sempre, Amigos…
Vou sepultar-me no céu!

E todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão…
Eu passarinho!


Mário Quintana

O QUE HÁ


O que há em mim é sobretudo cansaço —
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo, cansaço.
A sutileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto em alguém,
Essas coisas todas -
Essas e o que falta nelas eternamente;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço, cansaço.
Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada —
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser... E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço,
Íssimno, íssimo, íssimo,
Cansaço...


Álvaro de Campos, um dos heterônimos de Fernando Pessoa

POETA NÃO SE DEFINE, É UM SER À PARTE


Poeta não se define: é um ser à parte.
De homem se veste, de animal caminha,
mas algo nele de anjo se avizinha
quando em fatias brancas se reparte.
Cheira o pão de seus versos; faz-se arte
pela dor que humaniza e que espezinha;
não a dor do egoísmo, a dor mesquinha,
mas a dor que se empluma no estandarte.
Pode ser o domingo que se anula,
um galgo que tropeça, o lenço esgarço
que, sendo de Marília, ainda tremula.
Para si mesmo estranho ele se enigma,
avesso ao paletó, caderno esparso,
nada o liberta, nunca, desse estigma.


Jorge Tufic