terça-feira, 30 de abril de 2013

SE

 
Se és capaz de manter a tua calma quando
Todo o mundo ao teu redor já a perdeu e te culpa;
De crer em ti quando estão todos duvidando,
E para esses no entanto achar uma desculpa;

Se és capaz de esperar sem te desesperares,
Ou, enganado, não mentir ao mentiroso,
Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,
E não parecer bom demais, nem pretensioso;

Se és capaz de pensar -sem que a isso só te atires,
De sonhar -sem fazer dos sonhos teus senhores.
Se encontrando a desgraça e o triunfo conseguires
Tratar da mesma forma a esses dois impostores;

Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas
Em armadilhas as verdades que disseste,
E as coisas, por que deste a vida, estraçalhadas,
E refazê-las com o bem pouco que te reste;

Se és capaz de arriscar numa única parada
Tudo quanto ganhaste em toda a tua vida,
E perder e, ao perder, sem nunca dizer nada,
Resignado, tornar ao ponto de partida;

De forçar coração, nervos, músculos, tudo
A dar seja o que for que neles ainda existe,
E a persistir assim quando, exaustos, contudo
Resta a vontade em ti que ainda ordena: “Persiste!”;

Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes
E, entre reis, não perder a naturalidade,
E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,
Se a todos podes ser de alguma utilidade,

E se és capaz de dar, segundo por segundo,
Ao mínimo fatal todo o valor e brilho,
Tua é a Terra com tudo o que existe no mundo
E o que mais - tu serás um homem, ó meu filho!


Rudyard Kipling

CONVERSAR

 
Em um poema leio:
Conversar é divino.
Mas os deuses não falam:
fazem, desfazem mundos
enquanto os homens falam.
Os deuses, sem palavras,
jogam jogos terríveis.

O espírito baixa
e desata as línguas
mas não diz palavra:
diz luz. A linguagem
pelo deus acesa,
é uma profecia
de chamas e um desplume
de sílabas queimadas:
cinza sem sentido.

A palavra do homem
é filha da morte.
Falamos porque somos
mortais: as palavras
não são signos, são anos.
Ao dizer o que dizem
os nomes que dizemos
dizem tempo: nos dizem,
somos nomes do tempo.
Conversar é humano.


 Octavio Paz

quarta-feira, 10 de abril de 2013

AO VENTO


Fica comigo, mas não posso pedir ao vento
que sopre ao alcance de meu ouvido,
ou à terra que abençoe nossos longos segredos
-nem mesmo da luz querer ouso
que se demore em meu abrigo.
Quando os dados lançados e até meu silêncio
contra toda certeza parecem que conspiram
- e caso os dedos do mundo
em suas recurvas unhas nos firam -
releva, e fica comigo, os anjos sabem mais alto
daquilo em que insisto, do que preciso.


Fernando Campanella

AS PESSOAS SENSÍVEIS


As pessoas sensíveis não são capazes
De matar galinhas
Porém são capazes
De comer galinhas

O dinheiro cheira a pobre e cheira
à roupa do seu corpo
Aquela roupa
Que depois da chuva secou sobre o corpo
Porque não tinham outra
O dinheiro cheira a pobre e cheira
A roupa
Que depois do suor não foi lavada
Porque não tinham outra

"Ganharás o pão com o suor do teu rosto"
Assim nos foi imposto
E não:
"Com o suor dos outros ganharás o pão".

Ó vendilhões do templo
Ó construtores
Das grandes estátuas balofas e pesadas
Ó cheios de devoção e de proveito

Perdoai-lhes Senhor
Porque eles sabem o que fazem.


Sophia de Mello Breyner Andresen

COM AGULHAS DE PRATA

Com agulhas de prata
de brilho tão fino
bordai as sedas do vosso destino.

Bordai as tristezas
de todos os dias
e repentinamente as alegrias.

Que fiquem as sedas
muito primorosas
mesmo com lágrimas presas nas rosas.

Com agulhas de prata
de brilho tão frio...
ai, bordai as sedas,
sem partir o fio!


Cecília Meireles