quinta-feira, 29 de julho de 2010

DESEJO



Desejo a você,
fruto do mato,
cheiro de jardim,
namoro no portão,
domingo sem chuva,
segunda sem mau humor,
sábado com seu amor,
filme do Carlitos,
chope com amigos,
crônica de Rubem Braga,
viver sem inimigos,
filme antigo na TV,
ter uma pessoa especial,
e que ela goste de você,
música de Tom com letra de Chico,
frango caipira em pensão do interior,
ouvir uma palavra amável,
ter uma surpresa agradável,
ver a banda passar,
noite de lua cheia,
rever uma velha amizade,
ter fé em Deus,
não ter que ouvir a palavra "não",
nem nunca, nem jamais adeus.
Rir como criança,
ouvir canto de passarinho,
sarar de resfriado

escrever um poema de amor

que nunca será rasgado,
formar um par ideal,
tomar banho de cachoeira,
pegar um bronzeado legal,
aprender uma nova canção,
esperar alguém na estação,
queijo com goiabada,
pôr-do-sol na roça,
uma festa,
um violão,
uma seresta,
recordar um amor antigo,
ter um ombro sempre amigo,
bater palmas de alegria,
uma tarde amena,
calçar um velho chinelo,
sentar numa velha poltrona,
ouvir a chuva no telhado,
vinho branco,

bolero de Ravel

e muito carinho meu.


Carlos Drummond de Andrade

sexta-feira, 23 de julho de 2010

CANÇÃO DA PLENITUDE

Lya Luft


Não tenho mais os olhos de menina nem corpo adolescente,
e a pele translúcida há muito se manchou.
Há rugas onde havia sedas, sou uma estrutura
agrandada pelos anos e o peso dos fardos bons ou ruins.
(Carreguei muitos com gosto e alguns com rebeldia.)
O que te posso dar é mais que tudo o que perdi:
dou-te os meus ganhos. A maturidade que consegue rir
quando em outros tempos choraria,

busca te agradar quando antigamente quereria apenas ser amada.
Posso dar-te muito mais do que beleza
e juventude agora: esses dourados anos
me ensinaram a amar melhor, com mais paciência
e não menos ardor, a entender-te
se precisas, a aguardar-te quando vais,
a dar-te regaço de amante e colo de amiga,
e sobretudo força — que vem do aprendizado.
Isso posso te dar: um mar antigo e confiável
cujas marés — mesmo se fogem — retornam,
cujas correntes ocultas não levam destroços
mas o sonho interminável das sereias.


Lya Luft

quinta-feira, 22 de julho de 2010



É urgente o amor.

É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras,

ódio, solidão e crueldade,

alguns lamentos,

muitas espadas.


É urgente inventar alegria,

multiplicar os beijos, as searas,

é urgente descobrir rosas e rios

e manhãs claras.


Cai o silêncio nos ombros e a luz

impura, até doer.

É urgente o amor,

é urgente permanecer.


Eugénio de Andrade

POEMA DO AMOR PERFEITO



Naquela nuvem,

naquela,

mando-te meu pensamento:

que Deus se ocupe do vento.


Os sonhos foram sonhados,

e o padecimento aceito.

E onde estás, Amor-Perfeito?


Imensos jardins da insônia,

de um olhar de despedida

deram flor por toda a vida.


Ai de mim que sobrevivo

sem o coração no peito.

E onde estás, Amor-Perfeito?


Longe, longe, atrás do oceano

que nos meus olhos se aleita,

entre pálpebras de areia...


Longe, longe... Deus te guarde

sobre o seu lado direito,

como eu te guardava do outro,

noite e dia, Amor-Perfeito.


Cecilia Meireles

segunda-feira, 19 de julho de 2010

SILÊNCIO AMOROSO



Preciso do teu silêncio

cúmplice sobre minhas falhas.

Não fale.

Um sopro, a menor vogal pode me desamparar.

E se eu abrir a boca minha alma vai rachar.

O silêncio, aprendo, pode construir.

É um modo denso/tenso - de coexistir.

Calar, às vezes, é fina forma de amar.



Affonso Romano de Sant’Anna

NÃO TE QUERO



Não quero algo além do desejado,
Não quero nada do que me deste,
Nem o amor que me impuseste
Nada que eu não tenha almejado.

Não quero um amor comercializado!

Não te quero! como se fosse algoz
Não te quero! com esse título atroz
Vou esperar um amor meu, idealizado!

Vou sair desta agonia, bravamente,

Nem quero que a saudade me ronde,
Por me fazer lembrar do amor, por ti,

E quando chegar o dia! e tão-somente

Que eu passeie por sua mente,
Uma lembrança viva, do que perdi!


Betânia Uchôa

DUNAS



Dei-te os dias, as horas e os minutos

Destes anos de vida que passaram;

Nos meus versos ficaram

Imagens que são máscaras anônimas

Do teu rosto proibido;

A fome insatisfeita que senti

Era de ti,

Fome do instinto que não foi ouvido.


Agora retrocedo, leio os versos,

Conto as desilusões no rol do coração

Recordo o pesadelo dos desejos,

Olho o deserto humano, desolado,

E pergunto porquê, porque razão

Nas dunas do teu peito o vento passa

Sem tropeçar na graça

Do mais leve sinal da minha mão.


Miguel Torga

sábado, 17 de julho de 2010

SE EU FOSSE UM PADRE



Se eu fosse um padre,
eu, nos meus sermões,
não falaria em Deus nem no Pecado
— muito menos no Anjo Rebelado
e os encantos das suas seduções,
não citaria santos e profetas:
nada das suas celestiais promessas
ou das suas terríveis maldições...
Se eu fosse um padre eu citaria os poetas,
Rezaria seus versos, os mais belos,
desses que desde a infância me embalaram
e quem me dera que alguns fossem meus!
Porque a poesia purifica a alma
...e um belo poema — ainda que de Deus se aparte —
um belo poema sempre leva a Deus!


Mario Quintana

quarta-feira, 14 de julho de 2010

LISTA DE PREFERÊNCIAS


Alegrias, as desmedidas.

Dores, as não curtidas.

Casos, os inconcebíveis.

Conselhos, os inexequíveis.

Meninas, as veras.

Mulheres, insinceras.

Orgasmos, os múltiplos.

Ódios, os mútuos.

Domicílios, os passageiros.

Adeuses, os bem ligeiros.

Artes, as não rentáveis.

Professores, os enterráveis.

Prazeres, os transparentes.

Projetos, os contingentes.

Inimigos, os delicados.

Amigos, os estouvados.

Cores, o rubro.

Meses, outubro.

Elementos, os fogos.

Divindades, o logos.

Vidas, as espontâneas.

Mortes, as instantâneas.



Bertolt Brecht

PORQUE



Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão
Porque os outros têm medo mas tu não.


Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.


Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.


Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.


Sophia de Mello B. Andresen

quinta-feira, 8 de julho de 2010

POSSEIROS



O tempo está sempre
contra nossa vontade.
Quando estamos felizes
ele corre demais;
quando infelizes
ele se lerdeia todo.

Façamos assim então:

- Eu te deixo morar eternamente
na suíte real de meu coração,
e tu, generosa, me concedes
o porão do teu,
onde prometo morar
o resto de minha vida.

Não teremos o tempo

a nos vigiar
e tudo será céu.


Oswaldo Antônio Begiato

terça-feira, 6 de julho de 2010

CARTA



Ouso dizer-te, meu amor,

que tua ausência
é uma distância implícita de mim.

Nossos eus se emaranham
e já não sei
em que ponto me quedo,
em que ponto te levantas.

A que limite
sou eu que te busco,
ou tu que me alcanças?

Quando prosa ritmada,
ou verso sem pé?

Faca ou colher?

Quando manha, quando ferida?
Onde pecado, onde pudor?

Em que berço
com teus sonhos me deito?
Com meus sonhos
te despertas em que leito?

Cara ou metade?
Lucidez ou enfermidade?

Se memória de ti,
Se esquecimento de mim,
já o que importa?

Onde defeito ,
um mais que perfeito,
um efêmero,
um querer-te comprido,
sem fim....

Fernando Campanella

segunda-feira, 5 de julho de 2010

ACORDO FORA DE MIM



- Acordo fora de mim
como há tempos não fazia.
Acordo claro, de todo,
acordo com toda a vida,
com todos cinco sentidos
e sobretudo com a vista
que dentro dessa prisão
para mim não existia.
- Acordo fora de mim:
como fora nada eu via,
ficava dentro de mim
como vida apodrecida.
Acordar não é ter saída.
Acordar é reacordar-se
ao que em nosso em redor gira.


João Cabral de Melo Neto

SOSSEGA CORAÇÃO! NÃO DESESPERE!



Sossega, coração! Não desesperes!
Talvez um dia, para além dos dias,
Encontres o que queres porque o queres.
Então, livre de falsas nostalgias,
Atingirás a perfeição de seres.


Mas pobre sonho o que só quer não tê-lo!
Pobre esperença a de existir somente!
Como quem passa a mão pelo cabelo
E em si mesmo se sente diferente,
Como faz mal ao sonho o concebê-lo!


Sossega, coração, contudo! Dorme!
O sossego não quer razão nem causa.
Quer só a noite plácida e enorme,
A grande, universal, solente pausa
Antes que tudo em tudo se transforme.


Fernando Pessoa

sábado, 3 de julho de 2010

O LAÇO DE FITA



Não sabes, criança? 'Stou louco de amores...
Prendi meus afetos , formosa Pepita.
Mas onde? No templo, no espaço, nas névoas?!
Não rias, prendi-me
Num laço de fita.


Na selva sombria de tuas madeixas,
Nos negros cabelos da moça bonita,
Fingindo a serpente qu'enlaça a folhagem,
Formoso enroscava-se
O laço de fita.


Meu ser, que voava nas luzes da festa,
Qual pássaro bravo, que os ares agita,
Eu vi de repente cativo, submisso
Rolar prisioneiro
Num laço de fita.


E agora enleada na tênue cadeia
Debalde minh'alma se embate, se irrita...
O braço, que rompe cadeias de ferro,
Não quebra teus elos,
Ó laço de fita!


Meu Deus! As falenas têm asas de opala,
Os astros se libram na plaga infinita.
Os anjos repousam nas penas brilhantes...
Mas tu... tens por asas
Um laço de fita.


Há pouco voavas na célere valsa,
Na valsa que anseia, que estua e palpita.
Por que é que tremeste? Não eram meus lábios...
Beijava-te apenas...
Teu laço de fita.


Mas ai! findo o baile, despindo os adornos
N'alcova onde a vela ciosa... crepita,
Talvez da cadeia liberte as tranças
Mas eu ... fico preso
No laço de fita.


Pois bem! Quando um dia na sombra do vale
Abrirem-me a cova ... formosa pepita!
Ao menos arranca meus louros da fronte,
E dá-me por c'roa...
Teu laço de fita.


Castro Alves


(Belo, terno e conhecidíssimo poema de Castro Alves - mantive a ortografia original - foi escrito em São Paulo, Julho de 1868)

TE BUSCO, TE CAÇO



É noite, silêncio absoluto
surdo...
Silêncio que dói
me faz viajar...

Penso em ti

enquanto o sono não vem...
Fecho meus olhos e te busco
nas recordações dos momentos
lindos e mágicos de nós...

Vejo você em minha mente

seu sorriso lindo, seu olhar terno
teu jeito suave de fazer carinho...
Perco-me nas doces lembranças
sinto saudade de nós dois...

Em minhas lembranças, te caço

busco-te nas ondas do mar
nas flores...
Na brisa, te acho!

Sonho e realidade se misturam..

Sinto medo...
Você, um castelo de areia
em cada brisa do vento
temo vê-la desmoronar...

Você é isto, meu nada e meu tudo

minha vida e o meu mundo
esperança para eu continuar...
Amo amar você!

Joe Luigi