terça-feira, 25 de dezembro de 2012


Brindemos, todas as manhãs,
meu amor, com um tilintar de rosas,
ora brancas, ora carmim,
ora singelamente rosa.
Que símbolos melhor alinhavados
Para o bordado do amor
Poderia no mundo haver
Que os motivos da rosa:
Cor em choque, rubros beijos,
Alvos, raros pássaros
Que às vezes pousam em meu jardim.
Que outras formas mais completamente
Revelariam o que sentimos, este amor
Em cores tantas, em múltiplas instâncias:
Rosa dos ventos em caprichos de lua
Ora a negar-nos, ora a nos conceder
Por inteiro o seu perfume, a sua face.
Brindemos, pois, amantes,
Com o mais fino licor das rosas,
Tão finitas & sempre vivas,
Tão óbvias & super novas,
Tão dolorosamente espinho
E ainda amorosamente rosas:
Eis o amor
Em sua mais irretocável metáfora –
O resto são prosas.


Fernando Campanella

INQUÉRITO DO ALUMBRAMENTO


Qual a tua conotação do belo?
O que te suspira, o que te arregala?
O que te enxota para dentro da vida?
O que te exubera, o que te arrebata?
Que tipo de gesto te deixa perplexo?
O que te desenha um abismo na palma
[dos pés] p'ra que tu, animal– tão inseto –
da terra das mãos faça o incesto das asa
E que pássaro é tua espécie?
O que nesse mundo te espanta,
te espasma?
De que arrobos suspira o teu corpo?
Onde te inflama a pele?
- Em que ponto, em que polo? -
Em que poro arrepia tua alma?


Katyuscia Carvalho

MUDANÇA


Estou empacotando velhos brinquedos
Quebrando os medos
Abrindo antigas gaiolas
Absolvendo discórdias
Que moravam dentro de mim

Não que isso seja o fim...
É apenas começo

Não me interessam mais essas velhas peças
Que decoraram meu castelo
Nem mesmo os velhos chinelos
Que arrastei pelo chão

Quero tudo novo!
Até um sol diferente
Quero algo muito mais quente
Do que tive até aqui

Ta vendo essa bela casa?
Eu que fiz...
Decisão a decisão
Passo a passo
Pedra a pedra

Hoje saio daqui!
De velho... Só levo meu coração
Mas até ele a partir de hoje
Baterá diferente
Só olhará pra frente
E viverá só de luz.


Victtoria Rossini

domingo, 9 de dezembro de 2012

ARGAMASSA DA VIDA


Hoje entendi que saudade não se define!
Sempre soube que doía uma despedida,
cada uma delas, na justa medida!

Mas não há medida justa para sentimentos,
cada um tem seu peso,
desespero e destempero.

Seu rastro é profundo, inevitável,
a marca deixada: indelével
todas têm seu mistério!

Meu coração tantas vezes trincado,
mais que machucado, aos pedaços,
tenta se recompor.

A cola, a vida oferece:
sempre em forma de prece
argamassa onde entra o amor.

Cada lágrima rolada
sedimenta a virada
cujas pás são as mãos do Senhor!


Rogoldoni

A COR DA LÁGRIMA


Porque a lágrima não tem cor?
Enquanto chorava, me pus a pensar.
Se fosse vermelha como sangue,
As minhas vestes poderiam manchar.
Se a lágrima fosse amarela,
A cor da alegria,
Expressar tristeza
Jamais poderia.
Se fosse azul,
A cor da serenidade,
Eu não choraria jamais.
Seria só tranqüilidade.
Se fosse branca,
Como pétalas de rosas,
Não seriam lágrimas...
Mas pérolas preciosas.
Ainda mais uma vez
Fiquei me questionando...
Porque a lágrima não tem cor?

Se ela fosse preta
Só expressaria o horror?
Porque será que a lágrima não tem cor?
A lágrima não tem cor...
Porque nem sempre exprime dor.
E se ela fosse roxa, como poderia
Expressar a alegria?
As lágrimas não têm cor
Porque são expressões da alma
Quando o espírito está chorando.
O coração diz: tenha calma!
Se a lágrima tivesse cor
Deveria ter a cor do amor.


Iara Franco

Com um lindo salto
Leve e seguro
O gato passa
Do chão ao muro
Logo mudando
De opinião
Passa de novo
Do muro ao chão
E pisa e passa
Cuidadoso, de mansinho
Pega e corre, silencioso
Atrás de um pobre passarinho
E logo pára
Como assombrado
Depois dispara
Pula de lado
Se num novelo
Fica enroscado
Ouriça o pêlo, mal-humorado
Um preguiçoso é o que ele é
E gosta muito de cafuné.

Com um lindo salto
Leve e seguro
O gato passa
Do chão ao muro
Logo mudando
De opinião
Passa de novo
Do muro ao chão
E pisa e passa
Cuidadoso, de mansinho
Pega e corre, silencioso
Atrás de um pobre passarinho
E logo pára
Como assombrado
Depois dispara
Pula de lado
E quando à noite vem a fadiga
Toma seu banho
Passando a língua pela barriga.


Vínicius de Moraes

Nossa vida é um costurar constante...
É um indo e vindo, para alinhavar situações,
medir proporções com olhar absoluto, muitas vezes.
É pespontar atitudes, para ter resultados seguros.
É usar de retalhos de coisas passadas,
mas que muito
ainda servem para unir velhos desejos
a possíveis realizações.
É reforçar algumas opiniões,
forrando com determinação, garra e coragem.
Definitivamente...
...a vida é um atelier,
onde devemos exprimir dons e talentos,
aliados, sempre,
à humildade de ouvir o que outros tem a dizer.
E assim, de forma mansa, mas decidida,
definir o que, de fato,
nos propusemos a fazer.


Marília Ferreira de Oliveira

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

AUTOPSICOGRAFIA


O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas da roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.


Fernando Pessoa

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

VERGONHA


- “Menina!” Disse alguém, no grande instante
em que era dividido em dois um ser...
E essa palavra, pelo mundo avante,
foi meu santo orgulho de viver...

Ser menina. Ser moça. Ser constante.
Ser caráter. Ser honra. Ser dever.
Por mais tropeços que encontrasse adiante
nunca me entristeci de ser mulher.

Mas veio o Amor. Veio a traição ferina
e todo o orgulho meu de ser menina,
roubou-o a sorte, malfadada e crua;

e veio a dor, e veio a mágoa, o tédio,
e a vergonha escaldante e sem remédio
de ter sido mulher para ser tua.


Benedita de Melo

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

EU


Sou só e sou eu mesma.
O que pensem e digam os demais,
nada importa; eu tenho a minha lei.
Que outros a multidão, covardemente, sigam,
pelo caminho oposto, altiva, eu seguirei.

Que, sem brio e vergonha, outros tudo consigam
e que zombem de mim porque nada alcancei;
quanto mais, com seu ódio, o meu nome persigam,
tanto mais orgulhosa em trazê-lo, serei.

As pedradas não fujo e as tormentas aceito;
mas a espinha não curvo em prol de algum proveito,
minha atitude sempre a mesma se revela;
a mim mesma fiel, a minha fé não traio;
e, se em dia fatal ferida pelo raio,
tombar minha bandeira, eu tombarei com ela! 


 Yde Schloenbach Blumenschein

CIRANDA


Meninazinha bonita dos olhos ingênuos e grandes,
uma vez na ciranda eu perdi tua mão…
Sinto ainda fugir-me à flor da pele, aflita,
sua desesperada e última pressão!

E a vida continuou, ora em lenta pavana.
ora numa quadrilha, em tonta confusão.
Quantas vezes julguei, mas foi sempre ilusão,
viver aquela hora, entre as horas bendita,

que uniu palma com palma e alma contra alma…
Mas que busco afinal, que miragem acalma
tão inquieta procura em um mundo já findo?

Porém, o mundo não é só o que se ve.
Talvez um dia eu morrerei sorrindo,
e só os anjos saberão por quê!


Mário Quintana

sábado, 3 de novembro de 2012

SAUDADE


 Saudade dentro do peito
É qual fogo de monturo
Por fora tudo perfeito,
Por dentro fazendo furo.

Há dor que mata a pessoa
Sem dó e sem piedade,
Porém não há dor que doa
Como a dor de uma saudade.

Saudade é um aperreio
Pra quem na vida gozou,
É um grande saco cheio
Daquilo que já passou.

Saudade é canto magoado
No coração de quem sente
É como a voz do passado
Ecoando no presente.

A saudade é jardineira
Que planta em peito qualquer
Quando ela planta cegueira
No coração da mulher,
Fica tal qual a frieira.

 
Patativa do Assaré

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

O LADO BOM


Quero ser uma ilha,
um pouco de paisagem,
uma janela aberta,
uma montanha ao longe,
um aceno de mar.

Quando precisares de sonho,
de um canto de beleza,
de um pouco de silêncio,
ou simplesmente
de sol... e de ar...

Quero ser o lado bom
em que pensas,
isto que intimamente
a gente deseja
mas nem sempre diz
- quero ser, naquela hora,
o que sentes falta
para seres feliz...

Que quando pensares
em fugir de todos
ou de ti mesma, enfim,
penses em mim...


J. G. de Araújo Jorge

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

REDACÇÃO

 

Uma senhora pediu-me
um poema de amor.

Não de amor por ela,
mas «de amor, de amor».

À parte aquelas
trivialidades «minha rosa, lua do meu céu interior»
que podia eu dizer
para ela, a não destinatária,
que não fosse por ela?

Sem objecto, o poema
é uma redacção
dos 100 Modelos
de Cartas de Amor.


Alexandre O'Neil

A meu favor tenho o teu olhar
testemunhando por mim
perante juízes terríveis:
a morte, os amigos, os inimigos.

E aqueles que me assaltam
à noite na solidão do quarto
refugiam-se em fundos sítios dentro de mim
quando de manhã o teu olhar ilumina o quarto.

Protege-me com ele, com o teu olhar,
dos demônios da noite e das aflições do dia,
fala em voz alta, não deixes que adormeça,
afasta de mim o pecado da infelicidade.


Manuel António Pina

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

A você que visita o "Todos os Sentidos" e meus outros mimos também...

Estou tentando, muito a contragosto é bem verdade, assimilar a nova "interface" e suas mudanças.
Até o momento, sem conseguir me adaptar, entender, posicionar-me quanto às novas regras de postagens...de fotos...nenhuma fica como eu desejo... novas configurações e cores.

Total falta de sintonia entre eu e a nova "interface".
Peço desculpas aos que chegam, por tantas diferenças entre uma postagem e outra em meu blog - espero desesperadamente que sejam passageiras, que eu consiga assimilar e administrar as novidades.

Obrigado pela visita e até a volta - aguardo a sua volta!
Eu estarei sempre aqui, não desistirei ^___^

beijos

Sél

TOMOGRAFIA


Ninguém imagina
que sou deprê, tenso,
e trago uma dor
constante, no peito.

Ninguém desconfia
que eu sofro de insônia,
que sou muito louco
de excesso de sonho.
 
Ninguém acredita
que eu guardo uma surda
tristeza, lá dentro.
tão forte, tão funda.

Porque eu levo um riso
debochando sempre
do que me tortura.
 

E bem escondidas
de mim e do mundo
as marcas das feridas

e das fraturas.



Cairo Trindade

terça-feira, 2 de outubro de 2012


Quando eu nasci,
ficou tudo como estava.
Nem homens cortaram veias,
nem o Sol escureceu
nem houve estrelas a mais...
Somente,
esquecida das dores,
a minha Mãe sorriu e agradeceu.

Quando eu nasci,
não houve nada de novo
senão eu.
As nuvens não se espantaram,
não enlouqueceu ninguém...
para que o dia fosse enorme,
bastava
toda a ternura que olhava
nos olhos de minha mãe.

Sebastião da Gama

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

NON JE NE REGRETTE RIEN (NÃO, EU NÃO LAMENTO NADA)


Não! Nada de nada...
Não! Eu não lamento nada...
Nem o bem que me fizeram
Nem o mal - isso tudo me é igual!

Não, nada de nada...
Não! Eu não lamento nada...
Está pago, varrido, esquecido
Não me importa o passado!

Com minhas lembranças
Acendi o fogo
Minhas mágoas, meus prazeres
Não preciso mais deles!

Varridos os amores
E todos os seus temores
Varridos para sempre
Recomeço do zero.

Não! Nada de nada...
Não! Não lamento nada...!
Nem o bem que me fizeram
Nem o mal, isso tudo me é bem igual!

Não! Nada de nada...
Não! Não lamento nada...
Pois, minha vida, pois, minhas alegrias
Hoje, começam com você!



"Non je ne regrette rien" é
composição original de
Michel Vaucaire/Charles Dumont

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

 
- Qual a mais forte das armas,
A mais firme, a mais certeira?
A lança, a espada, a clavina,
A pistola? O bacamarte?
A espingarda, ou a flecha?       
O canhão que em praça forte
Faz em dez minutos brecha?
- Qual a mais firme das armas?
O terçado, a fisga, o chuço,
O dardo, a maça, o virote?
A faca, o florete, o laço,
O punhal, ou o chifarote?...      
A mais tremenda das armas,
Pior que a durindana,
Atendei, meus bons amigos:
Se apelida: - A língua humana!

 
Fagundes Varela

Minha vida não foi um romance...
Nunca tive até hoje um segredo.
Se me amas, não digas, que morro
De surpresa... de encanto... de medo...

Minha vida não foi um romance
Minha vida passou por passar
Se não amas, não finjas, que vivo
Esperando um amor para amar.

Minha vida não foi um romance...
Pobre vida... passou sem enredo...
Glória a ti que me enches a vida
De surpresa, de encanto, de medo!

Minha vida não foi um romance...
Ai de mim... Já se ia acabar!
Pobre vida que toda depende
De um sorriso... de um gesto... um olhar...


Mário Quintana

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Mikoto (minha gata *-*)

Que fazes por aqui, ó gato?
Que ambiguidade vens explorar?
Senhor de ti, avanças, cauto,
meio agastado e sempre a disfarçar
o que afinal não tens e eu te empresto,
ó gato, pesadelo lento e lesto,
fofo no pêlo, frio no olhar!

De que obscura força és a morada?
Qual o crime de que foste testemunha?
Que deus te deu a repentina unha
que rubrica esta mão, aquela cara?
Gato, cúmplice de um medo
ainda sem palavras, sem enredos,
quem somos nós, teus donos ou teus servos?


Alexandre O'Neill

AS ALDEIAS

Harvest with Irises Collage (artist interpretation)- Vincent Van Gogh

Eu gosto das aldeias sossegadas,
com o seu aspecto calmo e pastoril,
erguidas nas colinas azuladas,
mais frescas que as manhãs finas de Abril.

Pelas tardes das eiras, como eu gosto
de sentir a sua vida activa e sã!
Vê-las na luz dolente do sol-posto,
e nas suaves tintas da manhã!...

As crianças do campo, ao amoroso
calor do dia, folgam seminuas,
e exala-se um sabor misterioso
de agreste solidão das suas ruas.

Alegram as paisagens as crianças
mais cheias de murmúrios do que um ninho:
e elevam-nos às coisas simples, mansas,
ao fundo, as brancas velas dum moinho.

Pelas noites de estio, ouvem-se os ralos
zunirem nas suas notas sibilantes...
E mistura-se o uivar dos cães distantes
com o cântico metálico dos galos.


Gomes Leal

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

MINHA HISTÓRIA


Não serei uma mulher de época
De fatos passados, como um personagem de filme
Não ficarei taciturna em um canto escuro
Vendo a vida passar por meu olhos.

Não serei uma criatura muda sem alegrias
Envelhecendo aos poucos, igual a móveis velhos,
Esperando o ultimo suspiro chegar
Não serei alguém sem esperanças, a vida me chama.

Não ficarei calada, ante uma injustiça
Não pedirei perdão, por ser contrária.
A vida é tão rica, que me prende nela
E com ela, vou seguindo levando sopros e múrmurios.

Levo alegria, levo sorrisos pela brisa, pelo vento
Não serei aquela que deixou o poder falar alto
Serei o presente, na forma de idéias
Serei vida, calor e eterno aprendizado.

Serei dia, tarde e noite de luar.
E da minha janela ocular, olharei as paisagens
e nelas gravarei apenas,
a minha História.


Betânia Uchôa

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

CANÇÃO


Não te fies do tempo nem da eternidade
Que as nuvens me puxam pelos vestidos,
Que os ventos me arrastam contra o meu desejo!

Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
Que amanhã morro e não te vejo!

Não demores tão longe, em lugar tão secreto,
Nácar de silêncio que o mar comprime,
Ó lábio, limite do instante absoluto!

Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
Que amanhã eu morro e não te escuto!

Aparece-me agora, que ainda reconheço
A anêmona aberta na tua face
E em redor dos muros o vento inimigo…

Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
Que amanhã morro e não te digo…


Cecília Meirelles

JUVENTUDE


Mar de fúria e de inquietude
as mãos engorduradas de desejos
roupas armadas de atitude
vaidosos em seus ensejos.

São água derramando no recipiente
falam como donos da verdade
são livres em suas mentes
mas se perturbam frente a liberdade.


Henrique Rodrigues Soares

É preciso furar o nevoeiro
é preciso espreitar além do escuro
é preciso ser forte e ser inteiro
é preciso ter crença no futuro.

É preciso tentar chegar primeiro
é preciso ser livre e ser seguro
é preciso ver longe e ser certeiro
é preciso arriscar saltar o muro.

É preciso ser lúcido e sonhar
é preciso ter asas e voar.


Torquato da Luz

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

QUANDO EU MORRER QUERO FICAR


Quando eu morrer quero ficar,
Não contem aos meus inimigos,
Sepultado em minha cidade,
Saudade.

Meus pés enterrem na rua Aurora,
No Paissandu deixem meu sexo,
Na Lopes Chaves a cabeça
Esqueçam.

No Pátio do Colégio afundem
O meu coração paulistano:
Um coração vivo e um defunto
Bem juntos.

Escondam no Correio o ouvido
Direito, o esquerdo nos Telégrafos,
Quero saber da vida alheia,
Sereia.

O nariz guardem nos rosais,
A língua no alto do Ipiranga
Para cantar a liberdade.
Saudade...

Os olhos lá no Jaraguá
Assistirão ao que há de vir,
O joelho na Universidade,
Saudade...

As mãos atirem por aí,
Que desvivam como viveram,
As tripas atirem pro Diabo,
Que o espírito será de Deus.
Adeus.


Mário de Andrade

FÊNIX



Aposenta aquele casaco
com rasgos na gola
ele ficou arcaico
cansado e fora de moda.

Se livre dos elepês
cheios de chiados e arranhões
doe as velhas botinas
ganhas na Copa do Japão.

Coloque no lixo de uma vez
velhas contas de luz, de gás
seu jogo incompleto de xadrez
e coisas que nem se usa mais.

A vida é cheia de mortes
páginas viradas
alma doente é água parada.
Ressuscitar sempre.

O resto é conversa fiada.

Marcelo Mourão

domingo, 5 de agosto de 2012

CHÁ DE POESIA


Preparo um chá de poesia,
e saboreio-o lentamente,
como ele deve de ser saboreado.
Afinal eu tenho sempre a chaleira dos poemas
ao lume e bolachas com pinguinhos de versos
prontas para servir a quem as quiser degustar,
assim como eu o faço.
Sôfrego engulo pétalas de rosas
e planto-as de volta no jardim de onde saíram
e para onde, triunfais, agora regressam...


Nuno Rita

domingo, 29 de julho de 2012

AMOR


Fosse paixão, e seria fácil:
bastavam meia duzia de figuras de linguagem
explosivas e inverídicas, cuja pirotecnia
e brilho impactantes, ofuscando o vazio
por trás da fugaz alegoria,
já seduziriam as duas metades
incomunicáveis de cada casal triste,
e por isso críveis no desvario
da aventura passional como saída.

Fosse apenas sexo, e palavras quentes,
bem sacadas pela carga de luxúria e lascívia
beirando o obsceno, ao criarem um clima
de lírico impudor já tornavam cúmplice o leitor,
devido ao carisma do erotismo,
que excita, nivela e arbitra
o mesmo destino
a puros e a libertinos.

E fosse só poesia, mais fácil ainda:
com um punhado de frases acentuadas por espaços,
e rimas alocadas com pontaria,
já certa música e algum equilíbrio de texto lá estariam;
depois, com a aliteração e as tônicas
realçando o ritmo, as metáforas teriam graça, frescor,
um toque de alegria,
- e, por fim, desarrumando tudo,
o poema ficaria difícil,
parecendo profundo.

Mas sendo Amor, o poeta se complica,
se aquieta por sincero
e medita
confuso, repleto,
sem armadilhas,
maravilhado
e sem palavras.


José Renato Marino

quinta-feira, 26 de julho de 2012

OLHA


Olha você tem todas as coisas
Que um dia eu sonhei prá mim
A cabeça cheia de problemas
Não me importo, eu gosto mesmo assim.

Tem os olhos cheios de esperança
De uma cor que mais ninguém possui
Me traz meu passado e as lembranças
Coisas que eu quis ser e não fui.

Olha você vive tão distante
Muito além do que eu posso ter
E eu que sempre fui tão inconstante
Te juro, meu amor, agora é prá valer.

Olha, vem comigo aonde eu for
Seja minha amante, meu amor
Vem seguir comigo o meu caminho
E viver a vida só de amor.


Roberto Carlos

sexta-feira, 20 de julho de 2012

O CAMINHO NÃO EXISTE


Escolher o caminho não é olhar os guias,
não é traçar os percursos, nem consultar os mapas.
Não é continuar trilhando as mesmas vias
tantas vezes percorridas,
antevendo cada etapa,
hora de chegada ou partida.
Saber o caminho pode ser
simplesmente não saber
onde fica o tal lugar,
onde é que vamos dar -
SE vamos dar em algum lugar...
Pode ser apenas seguir a viagem
sem nunca perder de vista
a paisagem que se mostra,
generosa, à beira da pista...
Não deixar passar o detalhe
que não se viu da outra vez,
ver com olhos novos,
até onde alcança a vista;
olhar o antigo como se fosse
ainda a primeira vez.
Não há mapas.
Nem estradas, nem percursos.
Não há que se gastar tempo,
nem os nossos parcos recursos
com receios e lamentos.
Não há que se perder
um mínimo de energia
querendo tocar miragens:
há que fazê-las reais.
Não há estrada, nem destino.
Nem nada.
Tudo que há é a viagem.
De nada adiantam guias alheios,
nem se levar por receios
que outros andaram criando.
A viagem de cada um de nós é única.
Não precisa mala,
só o coração na bagagem.
Basta a própria túnica
para lenço em alguma paragem,
que seque aqui e ali
a lágrima inesperada
ou que contenha o espanto
ante alguma paisagem
que nos esconda a estrada...
Só é preciso seguir.
Lembrar que não há destino.
Só é preciso insistir.
Sempre e novamente,
com espírito menino;
seguir estrada adiante,
olhando o terreno e o divino
com olhos de eterno amante;
perscrutar nossas entranhas,
cavernas e profundezas,
enxergar a própria imagem,
sem espanto ou estranheza,
e saber que o caminho não existe:
É a viagem.


Débora Cristina Denadai

sábado, 14 de julho de 2012

POEMA DO AMIGO


Enfim, depois de tanto erro passado
Tantas retaliações, tanto perigo
Eis que ressurge noutro o velho amigo
Nunca perdido, sempre reencontrado.

É bom sentá-lo novamente ao lado
Com olhos que contêm o olhar antigo
Sempre comigo um pouco atribulado
E como sempre singular comigo.

Um bicho igual a mim, simples e humano
Sabendo se mover e comover
E a disfarçar com o meu próprio engano.

O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica…


Vinicius de Moraes

terça-feira, 10 de julho de 2012

PONTO SEM NÓ


Você não dá
ponto sem nó
ponto cruz
ponto cheio
ponto ajour
jura que não
vive sem nós
mas nunca diz
a que veio
mon amour.

Nosso enredo enrolado
todo emaranhado
tecido por linhas tortas
foi desfiado
a trama é toda sua
personagem principal
quanto a mim
resta o papel vilão
do ponto final.


Alice Ruiz

TORRE AZUL


É preciso construir uma torre
- Uma torre azul para os suicidas.
Têm qualquer coisa de anjo esses
suicidas voadores, qualquer coisa
de anjo que perdeu as asas.

É preciso construir-lhes um túnel
- Um túnel sem fim e sem saída
e onde um trem viajasse eternamente
como uma nave em alto mar perdida.?
Ruazinha em que eu penso às vezes
Como quem pensa numa outra vida...

É preciso construir uma torre...
É preciso construir um túnel...
É preciso morrer de puro, puro amor!


Mário Quintana

segunda-feira, 2 de julho de 2012

CEMITÉRIO DA ALMA


Hoje não tem lua cheia
não tem amor nem ternura
hoje é um dia nublado
um céu de estrelas nuas.

Hoje não tem sonhos bons
não tem fervor nem candura
hoje é mais um passo da morte
uma estrada para a loucura.

Hoje não tem salvação
pedidos, desejos, apelos
que não te escapem pelas mãos

E hoje não existe emoção.
Versos, prosas, és poeta
e é tudo que tens de bom.


Thiago Grijó Silva