quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

A POESIA SE ESFREGA NOS SERES E NAS COISAS




Nunca sentiste uma força melodiosa
Cercando tudo que teus olhos vêem,
Um misto de tristeza numa paisagem grandiosa?
Ou um grito de alegria na morte de um ser que queres bem?
Nunca sentiste nostalgia na essência das coisas perdidas
Deparando com um campo devoluto
Semelhante a uma virgem esquecida?
Num circo, nunca se apoderou de ti, um amargor sutil.
Vendo animais amestrados
E logo depois te mostrarem
Serem humanos imitando um réptil?
Nunca reparaste na beleza de uma estrada
Cortando as carnes do solo
Para unir carinhosamente
Todos os homens, de um a outro pólo?
Nunca te empolgastes diante de um avião
Olhando uma locomotiva, a quilha de um navio,
Ou de qualquer outra invenção?
Nunca sentiste esta força que te envolve desde o brilho do dia
Ao mistério da noite,
Na extensão da tua dor
E na delícia da tua alegria?
Pois então, faz de teus olhos o cume da mais alta montanha
Para que vejas com toda amplitude
A grandeza infindável da poesia que não percebes
E que é tamanha!


Adalgisa Nery

A LÁGRIMA



- Faça-me o obséquio de trazer reunidos
Cloreto de sódio, água e albumina...
Ah! Basta isto, porque isto é que origina
A lágrima de todos os vencidos!

-"A farmacologia e a medicina
Com a relatividade dos sentidos
Desconhecem os mil desconhecidos
Segredos dessa secreção divina"

- O farmacêutico me obtemperou. -
Vem-me então à lembrança o pai Yoyô
Na ânsia física da última eficácia...

E logo a lágrima em meus olhos cai.
Ah! Vale mais lembrar-me eu de meu Pai
Do que todas as drogas da farmácia!


Augusto dos Anjos


Como eu queria poder
Transformar-me num pássaro
Bateria asas e iria te ver.

Não importa com quem estejas
Nem onde se encontre.
O importante é que te veria
Antes do anoitecer.

Como eu queria ser o vento
Sairia do meu pensamento
Meu desejo viraria realidade
Apaziguaria meu coração
E a dor da minha saudade.


Maria José Speglich

LIVRO ABERTO




Eu gosto de livro, dos livros.
Livros abertos, livros fechados,
e até os lacrados, intocáveis.
Gosto da capa, das capas.
Do formato, em qualquer estado.

Dos prefácios, das palavras fáceis.
Das orelhas e, lombadas.
Da capa dura, da brochura, espiral.
Livros de romance, contos e espiritual.
Livros de arte, livros didáticos.

Poemas, crônica e policial.
Das primeiras páginas,
dos dados de catalogação, Copyright.
Eu gosto dos agradecimentos,
das homenagens e dedicatórias,
dos índices, apêndices, das páginas do miolo.

Do papel em que passo o olho,
dos escritores e escritoras,
dos poetas e das poesias.
Eu gosto do que lia, escrevia.
Gosto de livro, dos livros, científicos.
Antologia, livros de magia.

Da folha em branco, da escrivaninha.
Um orador, digitar no computador.
Da folha com linha, nasce o mais ilustre, filho do homem.
És livre, tornando a realização, de toda sua existência.
O livro vem de dentro, não vem do ventre.
Vem do coração, vem da mente.
Deixe-o perto, deixe o livro aberto.


Germano Gonçalves

domingo, 1 de dezembro de 2013

A MESMA ROSA AMARELA



Você tem quase tudo dela,
o mesmo perfume, a mesma cor,
a mesma rosa amarela,
só não tem o meu amor.

Mas nestes dias de carnaval
para mim, você vai ser ela.
O mesmo perfume, a mesma cor,
a mesma rosa amarela.
Mas não sei o que será
quando chegar a lembrança dela
e de você apenas restar
a mesma rosa amarela,
a mesma rosa amarela.


Carlos Pena Filho

INTIMIDADE



Quando, sorrindo, vais passando, e toda
Essa gente te mira cobiçosa,
És bela - e se te não comparo à rosa,
É que a rosa, bem vês, passou de moda...

Anda-me as vezes a cabeça a roda,
Atrás de ti também, flor caprichosa!
Nem pode haver, na multidão ruidosa,
Coisa mais linda, mais absurda e doida.

Mas é na intimidade e no segredo,
Quando tu coras e sorris a medo,
Que me apraz ver-te e que te adoro, flor!

E não te quero nunca tanto (ouve isto)
Como quando por ti, por mim, por Cristo, juras
 - mentindo - que me tens amor...


Antero de Quental

quarta-feira, 30 de outubro de 2013



O que importa é continuar na dança,
cada qual escolha  seu ritmo,
todo tempo é tempo de colocar o bloco na rua,
sem nada que nos desanime,
sem banda que se canse.
As palavras continuam nos procurando,
loucas,cheias de energia
e ainda acreditando
que a festa continua.


    Jurema Barreto de Souza

OS CINCO SENTIDOS



São belas – bem o sei, essas estrelas
Mil cores – divinais têm essas flores;
Mas eu não tenho amor, olho para elas;

Em toda a natureza
Não vejo outra beleza
Senão a ti – a ti!

Divina – ai! sim, será a voz que afina
Saudosa – na ramagem densa, umbrosa.
Será; mas eu do rouxinol que trina
Não oiço a melodia,
Nem sinto outra harmonia
Senão a ti – a ti!

Respira – n’aura que entre as flores gira,
Celeste – incenso de perfume agreste.
Sei… não sinto: minha alma não aspira,
Não percebe, não toma
Senão o doce aroma
Que vem de ti – de ti!

Formosos – são os pomos saborosos,
É um mimo – de néctar o racimo:
E eu tenho fome e sede… sequiosos,
Famintos meus desejos
Estão… mas é de beijos,
E só de ti – de ti!

Macia – deve a relva luzidia
Do leito – se por certo em que me deito;
Mas quem, ao pé de ti, quem poderia
Sentir outras carícias,
Tocar noutras delícias
Senão em ti – em ti!

A ti! ai, a ti só os meus sentidos
Todos num confundidos,
Sentem, ouvem, respiram;

Em ti, por ti deliram.
Em ti a minha sorte,
A minha vida em ti;

E quando venha a morte,
Será morrer por ti.


Almeida Garrett

ACORDA!!!




Talvez eu durma
Sonhe com a realidade
Acorde com calma
E levante a vontade

De deitar o sonho
Acalmar a realidade
Dormir o alívio
E persistir na vontade

De continuar seguindo
Nem que para realidade
Eu precise continuar dormindo.


Edvan Barreto.

MISTÉRIO



Gosto de ti, ó chuva, nos beirados,
Dizendo coisas que ninguém entende!
Da tua cantilena se desprende
Um sonho de magia e de pecados.

Dos teus pálidos dedos delicados
Uma alada canção palpita e ascende,
Frases que a nossa boca não aprende
Murmúrios por caminhos desolados.

Pelo meu rosto branco, sempre frio,
Fazes passar o lúgubre arrepio
Das sensações estranhas, dolorosas...

Talvez um dia entenda o teu mistério...
Quando, inerte, na paz do cemitério,
O meu corpo matar a fome às rosas!


Florbela Espanca

VAZIO



A poesia fugiu do mundo.
O amor fugiu do mundo —
Restam somente as casas,
Os bondes, os automóveis, as pessoas,
Os fios telegráficos estendidos,
No céu os anúncios luminosos.

A poesia fugiu do mundo.
O amor fugiu do mundo —
Restam somente os homens,
Pequeninos, apressados, egoístas e inúteis.
Resta a vida que é preciso viver.
Resta a volúpia que é preciso matar.
Resta a necessidade de poesia, que é preciso contentar.


Augusto Frederico Schmidt

terça-feira, 1 de outubro de 2013

ELOGIO DO ESQUECIMENTO




Bom é o esquecimento!
Senão como se afastaria o filho
Da mãe que o amamentou?
Que lhe deu a força dos membros
E o impede de experimentá-la.

Ou como deixaria o aluno
O professor que lhe deu o saber?
Quando o saber está dado
O aluno tem que se pôr a caminho.

Para a velha casa
Mudam-se os novos moradores.
Se os que a construíram ainda lá vivessem
A casa seria pequena demais.

O forno esquenta. Já não se sabe
Quem foi o oleiro. O plantador
Não reconhece o pão.

Como se levantaria pela manhã o homem
Sem o deslembrar da noite que desfaz o rastro?
Como se ergueria pela sétima vez
Aquele derrubado seis vezes
Para lavar o chão pedroso, voar
O céu perigoso?

A fraqueza da memória
Dá força ao homem.


Bertolt Brecht

CAMUFLAGEM




Hoje, sexta-feira
estou mais ativa
fim de semana recebo visitas
com essa cara
de paisagem futurista.

Segunda, dia de pasmaceira
desfaço a maquiagem
e volto a ser eu lesma

arrastando pela casa
essa minha natureza-cinza.


Valéria Tarelho

ISTO



Dizem que finjo ou minto
Tudo o que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.
Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa que é linda.
Por isso escrevo em meio
Do que não está em pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê!


Fernando Pessoa

A CANÇÃO DO TÉDIO




Anda uma estrela pelo céu,
sozinha, arrastando um véu
de viúva.
- É a chuva.

Rola um soluço leve no ar,
bem longo no seu rolar,
bem lento.
- É o vento.

Perpassa o passo oco de algum
fantasma, quieto como um
segredo.
- É o medo.

Batem à porta. Abro. Quem é?
Uma alta sombra, de pé,
se eleva.
- É a treva.

Mas, desde então, alguém está
comigo. É inútil. Não há
remédio.
- É o tédio.

Guilherme de Almeida

DESINTEGRAÇÃO



Eu tenho o coração cheio de coisas para dizer...
E a minha voz, se eu acaso falasse,
teria a força de uma revelação.

Meu espírito palpita ao ritmo desordenado e aflito
de asas prisioneiras que se dilaceraram
na arrancada impossível da libertação e da altura.

Minhas mãos tremem ainda ao contato
imaterial, sub-humano e fugitivo
de qualquer coisa além e acima deste mundo...

Adormeceu para sempre no fundo dos meus olhos
a saudade de paisagens estranhas e longínquas,
que nunca, nunca mais voltarão neste tempo e neste espaço.

Doem meus olhos. Tremem, ansiosas, as minhas mãos.
Meu espírito palpita! Tenho o coração cheio de coisas para dizer...
Eu estou vivo, Senhor! mas, em verdade, é como se estivesse morto.


Abgar Renault

DILEMA



O que muito me confunde
é que no fundo de mim estou eu
e no fundo de mim estou eu.
No fundo
sei que não sou sem fim
e sou feito de um mundo imenso
imenso num universo
que não é feito de mim.
Mas mesmo isso é controverso
se nos versos de um poema
perverso sai o reverso.
Disperso num tal dilema
o certo é reconhecer:
no fundo de mim
sou sem fundo.


Antonio Cícero

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

EU TE AMO




Eu te amo
Antes e depois de todos os acontecimentos,
Na profunda imensidade do vazio
E a cada lágrima dos meus pensamentos.
Eu te amo
Em todos os ventos que cantam,
Em todas as sombras que choram,
Na extensão infinita dos tempos
Até a região onde os silêncios moram.
Eu te amo
Em todas as transformações da vida,
Em todos os caminhos do medo,
Na angústia da vontade perdida
E na dor que se veste em segredo.
Eu te amo
Em tudo que estás presente,
No olhar dos astros que te alcançam
E em tudo que ainda estás ausente.
Eu te amo
Desde a criação das águas,
desde a idéia do fogo
E antes do primeiro riso e da primeira mágoa.
Eu te amo perdidamente
Desde a grande nebulosa
Até depois que o universo cair sobre mim
Suavemente.


Adalgisa Nery
 
 
Sei que depois sinto remorsos
de ser tão estupidamente malcriada
de falar tanto e ser tão atirada,
uma lagarta tamborila nervosa
seus pezinhos em cima da mesa,
me desculpe
todos os dias prometo
hei de ser mais indefesa
mais contida. Quieta como
uma japonesa.
Mas de repente essa coisa desfraldada
desbocada, destemida, que eu sei
que te incomoda
explode inteira cor-de-rosa
perigosamente sulferina.
Qualquer pequena luz
pra mim é festa e me ilumina.


Bruna Lombardi

BRANCAS NUVENS

 
 
Quem passou pela vida em brancas nuvens
e em plácido descanso adormeceu.
Quem nunca bebeu das fontes da alegria,
da paz, do amor, do silêncio e da harmonia.
Quem nunca se deleitou com a meditação.
Quem nunca experimentou o êxtase interior.
Vegetou.
Se arrastou do útero à cova...
Foi um espectro de homem, não foi homem.
Só passou pela vida, não viveu.


Fernando Pessoa

CHOVE!

 
Chuvinha melancólica lá fora
A cidade pinga, goteja, escorre..

Em dias assim fico nostálgica
Voltam as dores de antigos amores
Relembro esquecidos adeuses
Qual lenços brancos acenando
Para velhos navios naufragados

Em dias assim...não sei porquê
se chove lá fora
A tristeza chega junto com os pingos
E chove também dentro de mim.


Lenise Marques

ENVELHECER


Antes, todos os caminhos iam,
hoje, todos os caminhos vêm…
A casa é acolhedora, os livros poucos
E eu mesmo sirvo o chá para os fantasmas…

Silêncio, solidão, serenidade.
Quero morrer na selva de um país distante…
Quero morrer sozinho como um bicho!
Adeus, cidade maldita.

Que lá se vai o teu poeta.
Adeus para sempre, Amigos…
Vou sepultar-me no céu!

E todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão…
Eu passarinho!


Mário Quintana

O QUE HÁ


O que há em mim é sobretudo cansaço —
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo, cansaço.
A sutileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto em alguém,
Essas coisas todas -
Essas e o que falta nelas eternamente;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço, cansaço.
Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada —
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser... E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço,
Íssimno, íssimo, íssimo,
Cansaço...


Álvaro de Campos, um dos heterônimos de Fernando Pessoa

POETA NÃO SE DEFINE, É UM SER À PARTE


Poeta não se define: é um ser à parte.
De homem se veste, de animal caminha,
mas algo nele de anjo se avizinha
quando em fatias brancas se reparte.
Cheira o pão de seus versos; faz-se arte
pela dor que humaniza e que espezinha;
não a dor do egoísmo, a dor mesquinha,
mas a dor que se empluma no estandarte.
Pode ser o domingo que se anula,
um galgo que tropeça, o lenço esgarço
que, sendo de Marília, ainda tremula.
Para si mesmo estranho ele se enigma,
avesso ao paletó, caderno esparso,
nada o liberta, nunca, desse estigma.


Jorge Tufic

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

A MISSA DOS INOCENTES

 
 
Se não fora abusar da paciência divina
Eu mandaria rezar missa pelos meus poemas que não
conseguiram ir além da terceira ou quarta linha.
Vítimas dessa mortalidade infantil que, por ignorância dos pais,
Dizima as mais inocentes criaturinhas, as pobres...
Que tinham tanto azul em nos olhos,
Tanto que dar ao mundo!
Eu mandaria rezar o réquiem mais profundo
Não só pelos meus
Mas por todos os poemas inválidos que se arrastam pelo mundo
E cuja comovedora beleza ultrapassa a dos outros
Porque está, antes e depois de tudo,
No seu inatingível anseio de beleza.


Mario Quintana

O BICHO

 
 
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.


Manuel Bandeira

O SOLDADOR DE PALAVRAS

 
 
Fazer poemas é soldar palavras,
fundir o signo – literal sentido –
do verbo frio, transformado em chama,
aceso verso, pensado e medido

sob a moldura da expressão intensa
fingem palavras um som mais fingido
além, no ocaso, da sintaxe extrema,
fuga do verbo não mais definido.

Criado o texto, com idéia e tinta,
forma e figura na linguagem extinta,
quebrando regras de comuns fonemas.

A idéia é fogo. Fogo... o verbo aquece.
A tinta é solda que remenda e tece
versos, metáforas... por fim, poemas.

 
Majela Colares

Ó NOITE, PORQUE HÁS-DE VIR SEMPRE MOLHADA!

 
 
Ó noite, porque hás-de vir sempre molhada!
Porque não vens de olhos enxutos
e não despes as mãos
de mágoas e de lutos!

Porque hás-de vir semimorta,
com ar macerado e de bruxedo,
e não despes os ritos, o cansaço,
e as lágrimas e os mitos e o medo!

Porque não vens natural
Como um corpo sadio que se entrega,
e não destranças os cabelos,
e não nimbas de luz a tua treva!

Porque hás-de vir com a cor da morte
- se a morte já temos nós!
Porque adormeces os gestos,
porque entristeces os versos,
e nos quebras os membros e a voz!

Porque é que vens adorada
por uma longa procissão de velas,
se eu estou à tua espera em cada estrada,
nu, inteiramente nu,
sem mistérios, sem luas e sem estrelas!

Ó noite eterna e velada,
senhora da tristeza, sê alegria!
Vem de outra maneira ou vai-te embora,
e deixa romper o dia!


Eugénio de Andrade

terça-feira, 13 de agosto de 2013

RENÚNCIA


Renunciar. Todo o bem que a vida trouxe,
Toda a expressão do humano sofrimento
A gente esquece assim como se fosse
Um vôo de andorinha em céu nevoento.

Anoiteceu de súbito. Acabou-se.
Tudo. A miragem do deslumbramento
Se a vida que rolou no esquecimento
Era doce, a saudade inda é mais doce.

Sofre de ânimo forte, alma intranqüila!
Resume na lembrança de um momento
Teu amor. Olha a noite: ele cintila.

Que o grande amor, quando a renúncia o invade,
Fica mais puro porque é pensamento
Fica muito maior porque é saudade.


Carneiro da Cunha

CAVALO SELVAGEM




Eu sou cavalo selvagem
não sei o peso da sela
não tenho freio nos beiços
nem cabresto
nem marca de ferro quente
não tenho crina cortada
não sou bicho de curral
eu sou cavalo selvagem
meu pasto é o campo sem fim
para mim não existe cerca
sigo somente o capim
eu sou cavalo selvagem
selvagem é minha alegria
de ser livre noite e dia
selvagem é só apelido
meu nome é mesmo cavalo
cavalo solto no pasto
veloz carreira que faço
lavrado todo atravesso
caminhos no campo eu traço
eu corro livre galope
transformo galope em verso
eu sou cavalo selvagem
sou garanhão neste campo
eu sou rebelde alazão
sou personagem de lendas
sou conversa nas fazendas
sou filho livre do chão
eu sou cavalo selvagem
meu mundo é a imensidão.



Eliakin Rufino

segunda-feira, 8 de julho de 2013

ESCREVO PARA NÃO MORRER...




Para não morrer, para não explodir,
Para desabafar meus sentimentos,
Esta força que me avassala e oprime,
É por isso que escrevo!

E por que tenho vida - vou escrevendo;
Meu interior pede a tradução em letras e versos
Do que se agiganta em mim...

Escrevo, enfim, para renascer.
Pois o turbilhão que minh´alma encerra
Me lança a estratosfera...

Escrevendo chego ao infinito,
E como uma onda num oceano de areia,
Densa, vou num crescendo, rolando nas dunas...

Escrevo, pois preciso dizer o que aprendi!
Muitas coisas nos esperam além da estrada,
Da imensidão, indizíveis e invisíveis a olho nu,
A eternidade!

E escrevo, enfim, para que caibam dentro de mim,
Todas as angústias e dores que carrego,
E antes que eu desabe, como um grão de areia
Que se joga ao vento,
Escrevo para não morrer....


Delasnieve Daspet

NOITE




Ó noite sombria e gélida, escuta
Este meu silêncio mortificado,
Este singelo som enfeitiçado
Sepultado na mais escura gruta;

Sente esta profunda dor que em mim mora,
Esta imensa saudade que em mim chora
Ao recordar momentos de opulência
Na derradeira idade da inocência;

Vê estes olhos que nada vêem,
Pobres, caíram na eterna cegueira
E entregaram-se à mais suja poeira!

Fala-me dos teus felizes horrores,
Desses teus castos e honrosos temores...
Como eu te invejo minha noite amiga!


Teresa Sousa

VIDA URBANA



Cidade Natal dos meus anseios delirados
dos meus dias amargurados
de caos dentro de mim
... Cidade sem fim nas esquinas
louco destino feito de ruas e becos
onde me perco como a neblina

Cidade dos meus desejos incontidos
sacudidos neste vento
vindo dos subúrbios da agonia
... só o que me dá contentamento:
poesia


Xavier

sábado, 8 de junho de 2013


Se não fosse você, eu andaria
a caminho do nada,
pra lugar nenhum.
Eu erraria por entre vagas abertas,
sobre páginas incertas
de um pobre verso comum.

Se não fosse você, eu perderia
a noção do sol e do vento,
de todo e qualquer elemento
que me induzisse à beleza.

Se não fosse você, eu ficaria presa
na trama dos desafetos,
dos amores incompletos
que o mundo encaixa nos cantos.

Se não fosse você, triste seria
e a memória por certo contaria
minha historia na pobreza de um clichê.

.....e eu certamente me demitiria
dos ternos devaneios da poesia.
Que seria de mim, se não fosse você?


Flora Figueiredo

BALADA DA IRREMEDIÁVEL TRISTEZA


Eu hoje estou inabitável...
Não sei por quê,
levantei com o pé esquerdo:
o meu primeiro cigarro amargou
como uma colherada de fel;
a tristeza de vários corações bem tristes
veio, sem quê, nem por quê,
encher meu coração vazio...vazio...
Eu hoje estou inabitável...

A vida está doendo...doendo...
A vida está toda atrapalhada...
Estou sozinho numa estrada
fazendo a pé um raid impossível.

Ah! se eu pudesse me embebedar
e cambalear...cambalear...
cair, e acordar desta tristeza
que ninguém, ninguém sabe...
Todo mundo vai rir destes meus versos,
mas jurarei por Deus, se for preciso:
eu hoje estou inabitável..


Abgar Renault

segunda-feira, 27 de maio de 2013

ESPERANÇA


Não! A gente não morre quando quer,
Inda quando as tristezas nos consomem.
Há sempre luz no olhar de uma mulher
E sangue oculto na intenção de um homem.
Mesmo que o tempo seja apenas dor
E da desilusão se fique prisioneiro.
Vai-se um amor? Depois vem outro amor
Talvez maior do que o primeiro.
Sonho que se afogou na baixa-mar,
De novo há de erguer, cheio de fé,
Que mesmo sem ninguém o suspeitar,
Volta a encher a maré.
Não penses que jamais hás de achar fundo
Nem que entre as tuas mãos não terás outra mão.
Pode a vida matar o sonho e o sol e o mundo,
Mas não nos mata o coração.


J.G. de Araújo Jorge

NIRVANA


Viver assim: sem ciúmes, sem saudades,
Sem amor, sem anseios, sem carinhos,
Livre de angústias e felicidades,
Deixando pelo chão rosas e espinhos;

Poder viver em todas as idades;
Poder andar por todos os caminhos;
Indiferente ao bem e às falsidades,
Confundindo chacais e passarinhos;

Passear pela terra, e achar tristonho
Tudo que em torno se vê, nela espalhado;
A vida olhar como através de um sonho;

Chegar onde eu cheguei, subir à altura
Onde agora me encontro - é ter chegado
Aos extremos da Paz e da Ventura!


Antero de Quental

LINDO AMOR, QUE ME MATAIS...


Porque razão desdenhais
Deste amor que vos ofereço?
Porque é que me desprezais,
Quando eu por vós, enlouqueço?

Lindo amor que me matais!...

Dou-vos, alma e coração,
Por vós da vida desisto...
Desisto sim, mas em vão:
Vós pagais-me tudo isto
Com tão grande ingratidão!...


Mário de Sá-Carneiro

quarta-feira, 22 de maio de 2013

SOU VENTO E AR

As vezes, eu sou como o vento
Que passa com toda sua fúria
Levando comigo todas as dores
Que não sentem piedade alguma.

As vezes, eu sou a brisa suave
Que acaricia teu rosto com leveza
E seguindo o meu coração amante
Eu sou sua paixão e o seu amor.

Também, sou o ar que você respira
Sou o sol de todas tuas manhãs frias
Sou o teu sorriso mais lindo gostoso.

Sou a primeira flor a desabrochar
Com seu perfume inebriante
Sou eu o pulsar do seu coração
Resumindo, eu sou o teu amor.


Joe Luigi

terça-feira, 30 de abril de 2013

SE

 
Se és capaz de manter a tua calma quando
Todo o mundo ao teu redor já a perdeu e te culpa;
De crer em ti quando estão todos duvidando,
E para esses no entanto achar uma desculpa;

Se és capaz de esperar sem te desesperares,
Ou, enganado, não mentir ao mentiroso,
Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,
E não parecer bom demais, nem pretensioso;

Se és capaz de pensar -sem que a isso só te atires,
De sonhar -sem fazer dos sonhos teus senhores.
Se encontrando a desgraça e o triunfo conseguires
Tratar da mesma forma a esses dois impostores;

Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas
Em armadilhas as verdades que disseste,
E as coisas, por que deste a vida, estraçalhadas,
E refazê-las com o bem pouco que te reste;

Se és capaz de arriscar numa única parada
Tudo quanto ganhaste em toda a tua vida,
E perder e, ao perder, sem nunca dizer nada,
Resignado, tornar ao ponto de partida;

De forçar coração, nervos, músculos, tudo
A dar seja o que for que neles ainda existe,
E a persistir assim quando, exaustos, contudo
Resta a vontade em ti que ainda ordena: “Persiste!”;

Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes
E, entre reis, não perder a naturalidade,
E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,
Se a todos podes ser de alguma utilidade,

E se és capaz de dar, segundo por segundo,
Ao mínimo fatal todo o valor e brilho,
Tua é a Terra com tudo o que existe no mundo
E o que mais - tu serás um homem, ó meu filho!


Rudyard Kipling

CONVERSAR

 
Em um poema leio:
Conversar é divino.
Mas os deuses não falam:
fazem, desfazem mundos
enquanto os homens falam.
Os deuses, sem palavras,
jogam jogos terríveis.

O espírito baixa
e desata as línguas
mas não diz palavra:
diz luz. A linguagem
pelo deus acesa,
é uma profecia
de chamas e um desplume
de sílabas queimadas:
cinza sem sentido.

A palavra do homem
é filha da morte.
Falamos porque somos
mortais: as palavras
não são signos, são anos.
Ao dizer o que dizem
os nomes que dizemos
dizem tempo: nos dizem,
somos nomes do tempo.
Conversar é humano.


 Octavio Paz

quarta-feira, 10 de abril de 2013

AO VENTO


Fica comigo, mas não posso pedir ao vento
que sopre ao alcance de meu ouvido,
ou à terra que abençoe nossos longos segredos
-nem mesmo da luz querer ouso
que se demore em meu abrigo.
Quando os dados lançados e até meu silêncio
contra toda certeza parecem que conspiram
- e caso os dedos do mundo
em suas recurvas unhas nos firam -
releva, e fica comigo, os anjos sabem mais alto
daquilo em que insisto, do que preciso.


Fernando Campanella

AS PESSOAS SENSÍVEIS


As pessoas sensíveis não são capazes
De matar galinhas
Porém são capazes
De comer galinhas

O dinheiro cheira a pobre e cheira
à roupa do seu corpo
Aquela roupa
Que depois da chuva secou sobre o corpo
Porque não tinham outra
O dinheiro cheira a pobre e cheira
A roupa
Que depois do suor não foi lavada
Porque não tinham outra

"Ganharás o pão com o suor do teu rosto"
Assim nos foi imposto
E não:
"Com o suor dos outros ganharás o pão".

Ó vendilhões do templo
Ó construtores
Das grandes estátuas balofas e pesadas
Ó cheios de devoção e de proveito

Perdoai-lhes Senhor
Porque eles sabem o que fazem.


Sophia de Mello Breyner Andresen

COM AGULHAS DE PRATA

Com agulhas de prata
de brilho tão fino
bordai as sedas do vosso destino.

Bordai as tristezas
de todos os dias
e repentinamente as alegrias.

Que fiquem as sedas
muito primorosas
mesmo com lágrimas presas nas rosas.

Com agulhas de prata
de brilho tão frio...
ai, bordai as sedas,
sem partir o fio!


Cecília Meireles

terça-feira, 19 de março de 2013

QUERO UM CAVALO DE VÁRIAS CORES


Quero um cavalo de várias cores,
Quero-o depressa que vou partir.
Esperam-me prados com tantas flores,
Que só cavalos de várias cores
Podem servir.

Quero uma sela feita de restos
Dalguma nuvem que ande no céu.
Quero-a evasiva - nimbos e cerros -
Sobre os valados, sobre os aterros,
Que o mundo é meu.

Quero que as rédeas façam prodígios:
Voa, cavalo, galopa mais,
Trepa às camadas do céu sem fundo,
Rumo àquele ponto, exterior ao mundo,
Para onde tendem as catedrais.

Deixem que eu parta, agora, já,
Antes que murchem todas as flores.
Tenho a loucura, sei o caminho,
Mas como posso partir sozinho
Sem um cavalo de várias cores?


Reinaldo Ferreira

ESTE INFERNO DE AMAR


Este inferno de amar – como eu amo!
Quem mo pôs aqui n’alma… quem foi?
Esta chama que alenta e consome,
Que é a vida – e que a vida destrói –
Como é que se veio a atear,
Quando – ai quando se há-de ela apagar?
Eu não sei, não me lembra: o passado,
A outra vida que d’antes vivi
Era um sonho talvez… – foi um sonho –
Em que paz tam serena a dormi!
Oh! que doce era aquele sonhar…
Quem me veio, ai de mim! despertar?
Só me lembra que um dia formoso
Eu passei… dava o sol tanta luz!
E os meus olhos, que vagos giravam,
Em seus olhos ardentes os pus.
Que fez ela? eu que fiz? – Não no sei;
Mas nessa hora a viver comecei…


Almeida Garrett