segunda-feira, 31 de outubro de 2011

COLCHA DE RETALHOS


Nós somos uma colcha de retalhos
Tantos os remendos e os enchimentos.
Tantas as preguiças e os esquecimentos
Poucos os passos e tantos os atalhos.

Nós somos, é triste, uma babel humana
O que eu falo, você não compreende.
E isso fere, isso machuca e rende
Uma dor profunda, uma dor insana.

Faltou talento, pra endireitar o rumo
Sobrou vontade, pra espremer o sumo
E nesse vai-e-vem, nenhuma herança.

Vamos levar depois de tantos anos
Porque pintamos, apenas, desenganos
No quadro triste da nossa lembrança.


Amaro Vaz Filho

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

DILÚVIO

Foi quando pus meus olhos chuvosos
Sobre o mar em tempestade
E provei-lhe o sal amargo
Que percebi
Quão extenso e profundo seria
O mar das minhas dores
O pranto que tenho chorado
Talvez fosse de uma imensidão maior
Que toda essa convulsão de águas bravias

Mas foi, enfim
Quando chegou a calmaria
Nas cores do azul do dia
Que aprendi a paz
Que a tormenta adormecia
Atrás do tranco dos soluços,
Atravessada à ondas tardias

Até mesmo aos condenados
Dá-se um último desejo
Desejo eu
Que o silêncio que ora me invade
Nesse imenso mar de mim
Seja da paz, mensageiro
Cessando a tormenta, enfim.


Célia Sena

domingo, 23 de outubro de 2011

BRINCADEIRA DE MAU GOSTO


Se pensas
que penso
que tu me queres
tanto quanto
te quero
Penso
que não pensas
o quanto
em ti penso
e o quanto me feres
e penso
porque te espero
Se este amor
chegou a ti
desta maneira
da maneira
que chegou a mim
saberias
que não é brincadeira
pois brincadeira
não machuca assim


Gilberto Maha

Cansado de lutar corro ao meu leito
para o repouso a que meu corpo aspira

mas minha mente, à hora em que me deito

trabalha em mim, quando o trabalho expira.


Pois já meus pensamentos bem despertos

correm, ciumentos para a tua busca,

e conservo os meus olhos bem abertos

olhando a escuridão que o cego ofusca.


Minh’alma em sonho vê tua figura

que, como se essa sombra me cegasse
-
jóia brilhando sobre a noite escura

faz bela a noite e nova a sua face.

Assim de dia o corpo e à noite a alma,
por ti, como por mim,
não acha calma.


William Shakespeare

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

JURAS DE AMOR


Juro pelos Girassóis de Van Gogh
Pelos Relógios Moles de Salvador Dali
Pelos versos de Fernando Pessoa
Pela Estátua de Davi

Juro pela Odisséia de Homero
Pelo Édipo Rei de Sófocles
Pelas Sinfonias de Beethoven
Pela sapiência de Sócrates

Juro pelo Dom Quixote de Cervantes
Pela Mona Lisa de Leonardo da Vinci
Juro pela Divina Comédia de Dante

Juro por tudo em que me ufano
Pela sabedoria de Confúcio
Juro por Deus que te amo !


Cosme Custódio

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

REZA


Tem que haver um espaço para nós dois
onde caibam nossos amores,
nossos temores,
nossos dilemas.
Tem que haver para nós dois um tema
que fale de flores.
Tem que haver uma canção
de versos sofridos, amargos e doces.
Tem que haver uma oração
que fale de ciúmes, de saudade, de perdão,
que abençoe os beijos
e os desejos retumbantes.
Pra quando chegar o fim do dia
possa ser a Ave - Maria dos amantes


Flora Figueiredo

REDE NOTURNA


Chove.

Viro a taça degustando uma
saudade.

Não pergunte que eu lhe conto
até os silêncios que enterrei
na infância.

Deito na interrogação,
devaneio,
divãneio
e só calo reticente pra você
subentender.

Teço colcha em seu ouvido
ausente
com a linha que puxei
do carretel de meu
desejo.

Falarei de aprendizado,
de sorriso,
de esperança...
Não interessa.

Chove e é madrugada.

As palavras são somente
porque não há beijos.


Raiça Bonfim

terça-feira, 4 de outubro de 2011

BENEDICITE!


Bendito o que na terra o fogo fez, e o teto
E o que uniu à charrua o boi paciente e amigo;
E o que encontrou a enxada; e o que do chão abjeto,
Fez aos beijos do sol, o oiro brotar, do trigo;

E o que o ferro forjou; e o piedoso arquiteto
Que ideou, depois do berço e do lar, o jazigo;
E o que os fios urdiu e o que achou o alfabeto;
E o que deu uma esmola ao primeiro mendigo;

E o que soltou ao mar a quilha, e ao vento o pano,
E o que inventou o canto e o que criou a lira,
E o que domou o raio e o que alçou o aeroplano…

Mas bendito entre os mais o que no dó profundo,
Descobriu a Esperança, a divina mentira,
Dando ao homem o dom de suportar o mundo!


Olavo Bilac