segunda-feira, 20 de agosto de 2012

CANÇÃO


Não te fies do tempo nem da eternidade
Que as nuvens me puxam pelos vestidos,
Que os ventos me arrastam contra o meu desejo!

Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
Que amanhã morro e não te vejo!

Não demores tão longe, em lugar tão secreto,
Nácar de silêncio que o mar comprime,
Ó lábio, limite do instante absoluto!

Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
Que amanhã eu morro e não te escuto!

Aparece-me agora, que ainda reconheço
A anêmona aberta na tua face
E em redor dos muros o vento inimigo…

Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
Que amanhã morro e não te digo…


Cecília Meirelles

JUVENTUDE


Mar de fúria e de inquietude
as mãos engorduradas de desejos
roupas armadas de atitude
vaidosos em seus ensejos.

São água derramando no recipiente
falam como donos da verdade
são livres em suas mentes
mas se perturbam frente a liberdade.


Henrique Rodrigues Soares

É preciso furar o nevoeiro
é preciso espreitar além do escuro
é preciso ser forte e ser inteiro
é preciso ter crença no futuro.

É preciso tentar chegar primeiro
é preciso ser livre e ser seguro
é preciso ver longe e ser certeiro
é preciso arriscar saltar o muro.

É preciso ser lúcido e sonhar
é preciso ter asas e voar.


Torquato da Luz

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

QUANDO EU MORRER QUERO FICAR


Quando eu morrer quero ficar,
Não contem aos meus inimigos,
Sepultado em minha cidade,
Saudade.

Meus pés enterrem na rua Aurora,
No Paissandu deixem meu sexo,
Na Lopes Chaves a cabeça
Esqueçam.

No Pátio do Colégio afundem
O meu coração paulistano:
Um coração vivo e um defunto
Bem juntos.

Escondam no Correio o ouvido
Direito, o esquerdo nos Telégrafos,
Quero saber da vida alheia,
Sereia.

O nariz guardem nos rosais,
A língua no alto do Ipiranga
Para cantar a liberdade.
Saudade...

Os olhos lá no Jaraguá
Assistirão ao que há de vir,
O joelho na Universidade,
Saudade...

As mãos atirem por aí,
Que desvivam como viveram,
As tripas atirem pro Diabo,
Que o espírito será de Deus.
Adeus.


Mário de Andrade

FÊNIX



Aposenta aquele casaco
com rasgos na gola
ele ficou arcaico
cansado e fora de moda.

Se livre dos elepês
cheios de chiados e arranhões
doe as velhas botinas
ganhas na Copa do Japão.

Coloque no lixo de uma vez
velhas contas de luz, de gás
seu jogo incompleto de xadrez
e coisas que nem se usa mais.

A vida é cheia de mortes
páginas viradas
alma doente é água parada.
Ressuscitar sempre.

O resto é conversa fiada.

Marcelo Mourão

domingo, 5 de agosto de 2012

CHÁ DE POESIA


Preparo um chá de poesia,
e saboreio-o lentamente,
como ele deve de ser saboreado.
Afinal eu tenho sempre a chaleira dos poemas
ao lume e bolachas com pinguinhos de versos
prontas para servir a quem as quiser degustar,
assim como eu o faço.
Sôfrego engulo pétalas de rosas
e planto-as de volta no jardim de onde saíram
e para onde, triunfais, agora regressam...


Nuno Rita