segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

BEM NO FUNDO



No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto

a partir desta data,

aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo

extinto por lei todo o remorso,

maldito seja que olhas pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais

mas problemas não se resolvem,

problemas têm família grande,
e aos domingos saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.


Paulo Leminski

A CURVA DOS TEUS OLHOS



A curva dos teus olhos
dá a volta ao meu peito
É uma dança de roda e de doçura.

Berço noturno e auréola do tempo,

Se já não sei tudo o que vivi
É que os teus olhos não me viram sempre.

Folhas do dia e musgos do orvalho,

Hastes de brisas, sorrisos de perfume,
Asas de luz cobrindo o mundo inteiro,
Barcos de céu e barcos do mar,
Caçadores dos sons e nascentes das cores.

Perfume esparso de um manancial de auroras
Abandonado sobre a palha dos astros,
Como o dia depende da inocência
O mundo inteiro depende dos teus olhos
E todo o meu sangue corre no teu olhar.

Paul Éluard

ALMA DOS POETAS



Ai as almas dos poetas

Não as entende ninguém;
São almas de violetas
Que são poetas também.

Andam perdidas na vida,
Como as estrelas no ar;
Sentem o vento gemer
Ouvem as rosas chorar!

Só quem embala no peito
Dores amargas e secretas
É que em noites de luar
Pode entender os poetas

E eu que arrasto amarguras
Que nunca arrastou ninguém
Tenho alma pra sentir
A dos poetas também!


Florbela Espanca

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

TRÍPLICE P



Era uma vez em um país muito, muito distante

Distante da educação, distante dos direitos humanos
Distante do respeito ao cidadão, distante da vergonha na cara...

Nesse país vive um povo que se alimenta de promessas
Que bebe sonhos e se embriaga de espera
Em cada esquina tem uma venda que vende fiado
Um botequim que serve tira-gosto de conversa com cachaça

Um país quase novo, só um pouco estragado
É só dar uma mão de cal para enganar os desavisados
O mau cheiro é coisa besta a água de cheiro disfarça

Um país bem dividido, repartido e loteado
Com latifúndios bem demarcados
Quem tem titulo com “P” dirige um patriarcado
Político, Padre e Pastor vendem tudo bem barato
Promessa, paraíso e perdão dos pecados

Os primeiros cobram pouco com pagamento bem espaçado
De tempos em tempos um votinho e um abraço
Para os outros o pagamento é diário
Rezas, dízimos, medo e esperança e por ultimo a alma do coitado

Tem mais dois PEIS que por lá vivem, um é o do povo Pato
O outro é o das mães dos pederastas safados...

Alexandre Costa

POESIA



Escrevo-te

Nas manhãs acorrentadas

Pela profusão do Sol quando nasce

Ao sabor do verbo e das palavras

Que cintilam docemente na minha paz...

Escrevo-te

No chão da vida

Entre arquitectónicos traços de giz,

Na ponte entre o sonho e a despedida

Do que ao sonho não condiz.

Escrevo-te

A tentar poetizar-me

Na fluidez de versos compilados,

Poesia que extravaso sem renegar-me

Nos poemas que me cantam como um fado!


Ana Martins

AS PALAVRAS



São como um cristal

As palavras.

Algumas, um punhal,

Um incêndio.

Outras, orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória.

Inseguras navegam:

Barcos ou beijos,

As águas estremecem.

Desamparadas, inocentes,

Leves.

Tecidas são de luz

E são noite.

E mesmo pálidas

Verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escuta? Quem

As recolhe, assim,

Cruéis, desfeitas,

Nas suas conchas puras?


Eugénio de Andrade

POETA? É ASSIM MESMO!



Coração brando

Fera contida

Alma expandida

Que explode e grita

Quando o Amor se faz


Coração arisco

Fera ferida
Alma perdida
Que explode e grita

Quando o Amor se vai


Poeta quando ama é assim...
...
Grande, loquaz...

Inunda o mundo com as letras de luz

Que em seus olhos se faz


Poeta quando sofre é assim...
...
Grande, loquaz...

Inunda o mundo com as letras de lágrimas

Que em seu coração se faz


Poeta?

É assim mesmo!

Pedra de toque

paixão de vida e morte

Pena de poeta

Nunca tem paz...


AlexSimas

sábado, 22 de janeiro de 2011

SENTIR-SE JOVEM



Sentir-se jovem é sentir o gosto
de envelhecer ao lado da mulher
Curtir ruga por ruga de seu rosto
que a idade sem vaidade lhe trouxer


O corpo transforma-se em escultura
O Tempo apaixonado é um escultor
E a fêmea oculta na mulher madura
explode em sensuais formas de amor


Ser jovem cinqüentão não é preciso
provar que emagrecer rejuvenesce
pois a melhor ginástica é o sorriso
E quem sorri de amor nunca envelhece


Amar ou desamar sem sentir culpa
desafiando as leis do coração
Não faça da velhice uma desculpa
e nem da juventude profissão


Idade não é culpa, velhice não é desculpa
nem mesmo a juventude é profissão


Fica mais velho quem tem medo de ser velho
roubando sonhos de alguma adolescente
Dizer que ele "dá duas", que é potente
Mentir para si próprio e para o espelho


A idade é uma verdade, não ilude
quem dividiu a vida com prazer
Velho é se drogar de juventude
Ser jovem é saber envelhecer


Velho é quem se ilude
que a idade é juventude
Ser jovem é saber envelhecer


Juca Chaves

OS LÍRIOS



Certa madrugada fria
irei de cabelos soltos
ver como crescem os lírios.

Quero saber como crescem

simples e belos — perfeitos! —
ao abandono dos campos.

Antes que o sol apareça
neblina rompe neblina
com vestes brancas, irei.

Irei no maior sigilo
para que ninguém perceba
contendo a respiração.

Sobre a terra muito fria
dobrando meus frios joelhos
farei perguntas à terra.

Depois de ouvir-lhe o segredo
deitada por entre os lírios
adormecerei tranqüila.

Henriqueta Lisboa

DOIS POEMAS




Em que idioma te direi
este amor sem nome
que é servo e rei?
Como o direi?
Como o calarei?


É como se a noite se molhasse
repentinamente, quando choras.
É como se o dia se demorasse,
quando te espero e tu te demoras.


Albano Martins

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011



És precária e veloz, Felicidade.

Custas a vir, e, quando vens, não te demoras.
Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo,
e, para te medir, se inventaram as horas.

Felicidade, és coisa estranha e dolorosa.
Fizeste para sempre a vida ficar triste:
porque um dia se vê que as horas todas passam,
e um tempo, despovoado e profundo, persiste.

Cecília Meireles

CARNE E OSSO



Alegria do pecado às vezes toma conta de mim
E é tão bom não ser divina
Me cobrir de humanidade me fascina
E me aproxima do céu

E eu gosto de estar na terra cada vez mais

Minha boca se abre e espera
O direito ainda que profano
Do mundo ser sempre mais humano

Perfeição demais me agita os instintos

Quem se diz muito perfeito
Na certa encontrou um jeito insosso
Pra não ser de carne e osso, pra não ser carne e osso.


Paulinho Moska e Zélia Duncan

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

UM BEIJO



Foste o beijo melhor da minha vida,
Ou talvez o pior...Glória e tormento,
Contigo à luz subi do firmamento,
Contigo fui pela infernal descida!

Morreste, e o meu desejo não te olvida:
Queimas-me o sangue, enches-me o pensamento,
E do teu gosto amargo me alimento,
E rolo-te na boca malferida.

Beijo extremo, meu prêmio e meu castigo,
Batismo e extrema-unção, naquele instante
Por que, feliz, eu não morri contigo?

Sinto-te o ardor, e o crepitar te escuto,
Beijo divino! e anseio, delirante,
Na perpétua saudade de um minuto...

Olavo Bilac

"QUEM VOCÊ PENSA QUE É?"



perguntou pra mim de queixo em pé...
Sou forte,
fraca,
generosa,
egoísta,

angustiada,
perigosa,
infantil,
astuta,
aflita,
serena,
indecorosa,
inconstante,
persistente,
sensata e corajosa,
como é toda mulher,
poderia ter respondido,
mas não lhe dei essa colher.

Martha Medeiros

CONFUSÃO



Alma estranha esta que abrigo,

Esta que o Acaso me deu,
Tem tantas almas consigo
Que eu nem sei bem quem sou eu.

Jamais na Vida consigo
Ter de mim o que é só meu;
Para supremo castigo,
Eu sou meu próprio Proteu.

De instante a instante, a me olhar,
Sinto, num pesar profundo,
A alma a mudar... a mudar...

Parece que estão, assim,
Todas as almas do Mundo,
Lutando dentro de mim...


Raul de Leoni

AUTO-RETRATO



No retrato que me faço
- traço a traço -
Às vezes me pinto nuvem,
Às vezes me pinto árvore...

Às vezes me pinto coisas

De que nem há mais lembrança...
Ou coisas que não existem
Mas que um dia existirão...

E, desta lida, em que busco

- pouco a pouco -
Minha eterna semelhança,

No final, que restará?

Um desenho de criança...
Corrigido por um louco!


Mário Quintana

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

OS AMORES DE MINHA INFÂNCIA

A minha infância distante,
foi pautada por dois mistérios:
Van Gogh e a lua cheia,
neles eu encontrava o belo.

Os traços agressivos
que tanto admirava,
tinham um quê de perigo
mas não me sentia assustada.

A lua cheia, ternura,
meu coração vibrava;
diante de tanta candura,
acreditava-me apaixonada.

E o tempo num lapso errante
conservou minhas duas paixões:
de Van Gogh continuo amante
com o luar divido emoções.

Rogoldoni
*Minha paixão por Van Gogh nem tem tanto tempo. E nasceu da descoberta do homem extremamente delicado que existia por detrás dos traços agressivos de suas obras. (Sél)*

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

A LINHA E O LINHO



É a sua vida que eu quero bordar na minha

Como se eu fosse o pano e você fosse a linha
E a agulha do real nas mãos da fantasia
Fosse bordando, ponto a ponto, nosso dia-a-dia

E fosse aparecendo aos poucos nosso amor
Os nossos sentimentos loucos, nosso amor
O ziguezague do tormento, as cores da alegria
A curva generosa da compreensão
Formando a pétala da rosa da paixão

A sua vida, o meu caminho, nosso amor
Você a linha, e eu o linho, nosso amor
Nossa colcha de cama, nossa toalha de mesa
Reproduzidos no bordado a casa, a estrada, a correnteza
O sol, a ave, a árvore, o ninho da beleza.


Gilberto Gil

AMA-ME. É TEMPO AINDA


Interroga-me.

E eu te direi que o nosso tempo é agora.

Esplêndida avidez, vasta ventura

Porque é mais vasto o sonho que elabora


Há tanto tempo sua própria tessitura.


Ama-me. Embora eu te pareça

Demasiado intensa. E de aspereza.

E transitória se tu me repensas.


Hilda Hilst

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011



Disfarça, tem gente olhando.

Uns olham pro alto,
cometas, luas, galáxias.
Outros, olham de banda,
lunetas, luares, sintaxes.
De frente ou de lado,
sempre tem gente olhando,
olhando ou sendo olhado.

Outros olham para baixo,
procurando algum vestígio
do tempo que a gente acha,
em busca do espaço perdido.
Raros olham para dentro,
já que dentro não tem nada.
Apenas um peso imenso,
a alma, esse conto de fada.

Paulo Leminski

HÁ PALAVRAS QUE NOS BEIJAM



Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca,
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.

Palavras nuas que beijas

Quando a noite perde o rosto,
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas

Entre palavras sem cor,
Esperadas, inesperadas
Como a poesia ou o amor.

(O nome de quem se ama

Letra a letra revelado
No mármore distraído,
No papel abandonado)

Palavras que nos transportam

Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.


Alexandre O”Neill

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011



Há gente que nasceu zangada com o mundo

e não consegue disfarçar
o azedume, a azia, que no fundo
sente por ter de enfrentar
seja quem for que considere alheio
ao seu círculo acanhado e feio.
E jamais lhe falta motivo
para tentar infernizar
tudo o que à volta saiba vivo
e de cabeça no lugar.
Por mim, procuro sair ileso
do encontro com tal gente
e dedico-lhe um desprezo
suave mas impenitente.
E vou à vida porque, é bom de ver,
tenho mais que fazer.

Torquato da Luz

NESSE MEU MUNDO



Há um mar profundo
De águas cristalinas...
Nele há vales e colinas
Crateras e cavernas
Vernizes e resinas
Neste meu mundo
Há tanta fantasia
Nadando no limiar de cada dia
Entre uma marola e outra...
Há seres mágicos...
E estrelas vestidas de gente
Há peixes professores
E golfinhos contentes
Há fadas que me tomam como irmã.
Neste meu mundo
Há polvos ocupados em rodopios
Apertando os parafusos dos navios
Que trazem como nome, ilusão.
E neste meu mundo então
Sou peixe, sou sereia e caravela
Sou onda, mar salgado, sou cratera
Sou amor, sou alegria e solidão
Nas águas claras
Repinto cada cor com um sorriso
E pincelo assim em improviso...
Cada dourado peixinho
Com minha paixão.


Márcia Poesia de Sá

MINHA MORTE ALHEIA



Quando eu morrer

alguns amigos vão levar um baque enorme.
e na hora da notícia ou do enterro
sentirão que alguma coisa grave aconteceu para sempre.

Depois
irão se esquecendo de mim,
da cor do luto
- e da melancolia,
exatamente
como eu fiz
com os outros que em mim também morreram.

O morto, por pouco, é pesado e eterno.
Amanhã
a vida continua com buzinas, provérbios,
sorveteiros nas esquinas,
esplêndidas pernas de mulheres
e esse ar alheio
de que a morte
não apenas se dilui aos poucos
mas é uma coisa que só acontece aos outros.

Affonso Romano de Sant'Anna

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

DONA DE POESIA



Antes de vir para cá

Estava compondo o poema da vida
Com vassoura e rodo na mão
Balde com água e sabão
Molhando e apagando o pó do chão

Tinha um pensamento só
Exclusivamente voltado para a rima
Enquanto em cima da pia, a louça
Que não era tão pouca
Ia me observando e me deixando louca

Estava com um tanto de pressa, já
Para ver a obra acabada, enfim
Mas ainda tinha coisas a fazer
Costurar, lavar, passar e cozer
E outras, que não deixei para trás
Antes que pudesse escrever

Agora que estou aqui
Posso começar meu trabalho árduo
Todos os dias tenho essa labuta
Com as palavras e os versos travo uma disputa
Ser dona de poesia é uma luta!
O serviço nunca fica acabado!

Janete do Carmo

EU, PRONOME INDEFINIDO





Que sei eu,

Incógnita de mim
A respeito do que vejo e sinto
Do que sei ou do meu fim?

Dentre tanto que ignoro
Incluo-me a mim
Que ora sei quem sou
Ora não sei a que vim

Que posso eu
Dizer dos outros agora
Se nem ao menos de mim
Posso dizer-me senhora?

Sou ser humano
Pensamento, abstração
Suscetível a erro, engano
Longe demais da perfeição

Sou pedra sendo esculpida
Inconstante, inacabada
Talhada do formão da vida
Aos poucos sendo moldada

Entender-me?
Por enquanto
Nada

Célia Sena

sábado, 1 de janeiro de 2011

INVICTUS



Do fundo desta noite que persiste

A me envolver em breu - eterno e espesso,

A qualquer deus - se algum acaso existe,

Por mi’alma insubjugável agradeço.


Nas garras do destino e seus estragos,

Sob os golpes que o acaso atira e acerta,

Nunca me lamentei - e ainda trago

Minha cabeça - embora em sangue - ereta.


Além deste oceano de lamúria,

Somente o horror das trevas se divisa;

Porém o tempo, a consumir-se em fúria,

Não me amedronta, nem me martiriza.


Por ser estreita a senda - eu não declino,

Nem por pesada a mão que o mundo espalma;

Eu sou dono e senhor de meu destino;

Eu sou o comandante de minha alma.


William Ernest Henley