terça-feira, 19 de março de 2013

QUERO UM CAVALO DE VÁRIAS CORES


Quero um cavalo de várias cores,
Quero-o depressa que vou partir.
Esperam-me prados com tantas flores,
Que só cavalos de várias cores
Podem servir.

Quero uma sela feita de restos
Dalguma nuvem que ande no céu.
Quero-a evasiva - nimbos e cerros -
Sobre os valados, sobre os aterros,
Que o mundo é meu.

Quero que as rédeas façam prodígios:
Voa, cavalo, galopa mais,
Trepa às camadas do céu sem fundo,
Rumo àquele ponto, exterior ao mundo,
Para onde tendem as catedrais.

Deixem que eu parta, agora, já,
Antes que murchem todas as flores.
Tenho a loucura, sei o caminho,
Mas como posso partir sozinho
Sem um cavalo de várias cores?


Reinaldo Ferreira

ESTE INFERNO DE AMAR


Este inferno de amar – como eu amo!
Quem mo pôs aqui n’alma… quem foi?
Esta chama que alenta e consome,
Que é a vida – e que a vida destrói –
Como é que se veio a atear,
Quando – ai quando se há-de ela apagar?
Eu não sei, não me lembra: o passado,
A outra vida que d’antes vivi
Era um sonho talvez… – foi um sonho –
Em que paz tam serena a dormi!
Oh! que doce era aquele sonhar…
Quem me veio, ai de mim! despertar?
Só me lembra que um dia formoso
Eu passei… dava o sol tanta luz!
E os meus olhos, que vagos giravam,
Em seus olhos ardentes os pus.
Que fez ela? eu que fiz? – Não no sei;
Mas nessa hora a viver comecei…


Almeida Garrett

domingo, 3 de março de 2013

SE EU FOSSE UM POETA...


Te faria um poema,
Falando de amor.
Abusaria de temas,
Do aroma da flor.
Versejaria erudito,
Um canto bendito.
Para te enaltecer.
Louvaria sua beleza,
Sua docilidade.
Com certeza,
Usaria toda fertilidade
Da mente.
As rimas mais preciosas
Sente,
a candura dos verbetes.
Sensibilidade valiosa.
Uma ária em falsete,
Ou o bolero de Ravel.
A magia de Neruda,
A arte de Renoir.
Faria elegias ao céu.
Abusaria do verbo amar.
Ah!...Se fosse eu um poeta!...


Gustavo Drummond

SILÊNCIO



No fadário que é meu, neste penar,
Noite alta, noite escura, noite morta,
Sou o vento que geme e quer entrar,
Sou o vento que vai bater-te à porta...
Vivo longe de ti, mas que me importa?
Se eu já não vivo em mim! Ando a vaguear
em roda à tua casa, a procurar
Beber-te a voz, apaixonada, absorta!
Estou junto de ti e não me vês...
quantas vezes no livro que tu lês
meu olhar se pousou e se perdeu!
Trago-te como um filho nos meus braços!
E na tua casa...Escuta!...Uns leves passos...
Silêncio, meu Amor!...Abre! Sou eu!...


Florbela Espanca