domingo, 15 de maio de 2011

POEMA À BOCA FECHADA


Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.

Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.

Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais boiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.

Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.


José Saramago

2 comentários:

Silvia disse...

Oi Selma
muitas vezes o silêncio pode transmitir o que as palavras não conseguem.
Uma boa semana pra ti.

Lara Vic. disse...

adorei o poema. Já fiz um sobre esse assunto uma vez, mas nunca conseguiria descrever dessa forma algo tão profundo e indescritível como a própria ausência de palavras.
adoro essa seleção de poemas do seu blog. Sempr que posso leio *-*
beijos!