terça-feira, 27 de setembro de 2011

ALÉM-ALMA


Meu coração lá longe
Faz sinal que quer voltar.
Já no peito trago em bronze:
NÃO TEM VAGA NEM LUGAR.
Pra que me serve um negócio
Que não cessa de bater?
Mais me parece um relógio
Que acaba de enlouquecer.
Pra que é que eu quero quem chora,
Se estou tão bem assim,
E o vazio que vai lá fora
Cai macio dentro de mim?


Paulo Leminski

sábado, 24 de setembro de 2011

ENTRE-TANTOS...


Penso que poemas
São segredos
Ocultos no óbvio

À solta no ar, na vida

Nos sentimentos todos,

Na lida

Estanques, ligeiros,

Prenúncios, certeiros,

À espera apenas

De que entre tantos entretantos,

Tantos surdos-mudos-cegos,

Haja um ou outro

Capaz de percebê-los,

Colher os sinais,

Traduzir em versos,

E assim, se possam vê-los.



Célia Sena

sábado, 17 de setembro de 2011

FOGO E PAIXÃO


Algo que cresce,
Que me puxa
E que me empurra.
Algo acontece,
Que me leva
E que me busca.

Algo urgente, antes dormente,
Vai acordando.
Algo com pressa, que nunca cessa,
Estou amando!

Amor, amor
Fogo e paixão
Amor, amor
Como enganar o coração?

Como fazer dormir de novo
O que acordou?
Como controlar essa vontade
Que me dominou?

Amor, amor
Fogo e paixão
Amor, amor
Já enganei o coração?


Regiane Martins Folter

REAL OU REALEZA?


A moça olha no espelho
Procurando ter
Aquilo que os olhos
Não precisavam ver.

Ela não busca um sorriso
Ou algum traço de alegria
Não faz um exame preciso
Para achar marcas de sabedoria.

Ela quer uma tez de marfim
Lábios grossos, olhos sublimes
Ela quer ser um manequim
Igual àquele que viu na vitrine.

Ela quer ver, extasiada,
Beleza eterna, porte fantástico
Cópia de uma linda moda
Mas com um coração de plástico.

Tantas idéias, tantas belezas
O que vale mais a pena:
Ser real ou realeza?


Regiane Martins Folter

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

SONETO


Por que meu verso é sempre tão carente
De mutações e variação de temas?
Por que não olho as coisas do presente
Atrás de outras receitas e sistemas?

Por que só escrevo essa monotonia
Tão incapaz de produzir inventos
Que cada verso quase denuncia
Meu nome e seu lugar de nascimento?

Pois saiba, amor, só escrevo a seu respeito
E sobre o amor, são meus únicos temas.
E assim vou refazendo o que foi feito,

Reinventando as palavras do poema.
Como o sol, novo e velho a cada dia,
O meu amor rediz o que dizia.


William Shakespeare

domingo, 11 de setembro de 2011

COGITO


Eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível

eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora

eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim

eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranqüilamente
todas as horas do fim.


Torquato Neto

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

LIBERDADE QUE ESTAIS EM MIM


– Liberdade, que estais no céu...
Rezava o padre nosso que sabia
A pedir-te, humildemente,
O pão de cada dia.
Mas a tua bondade onipotente
Nem me ouvia.

– Liberdade, que estais na terra...
E a minha voz crescia
De emoção.
Mas um silêncio triste sepultava
A fé que ressumava
Da oração.

Até que um dia, corajosamente,
Olhei noutro sentido, e pude, deslumbrado,
Saborear, enfim,
O pão da minha fome.
– Liberdade, que estais em mim,
Santificado seja o vosso nome.


Miguel Torga

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

PÁSSAROS


Nos meus poemas não há pássaros
aflitos dentro dos versos,
bicos metidos entre as rimas
na angustia dos vôos livres.

Amo as aves revoluteando no ar
a liberdade em plena luz,
que não é querer nem cogitar
mas a forma mesma do corpo.

Asas irrequietas receosas
inconstantes buliçosas
o que voam são os olhos
acesos desconfiados vigilantes
perscrutando inimigos, vitimas, distancias,
adivinhando flores antevendo ninhos.


Miguel Reale


DAS ROSAS...


Brindemos, todas as manhãs,

meu amor, com um tilintar de rosas,
ora brancas, ora carmim,
ora singelamente rosa.
Que símbolos melhor alinhavados
Para o bordado do amor
Poderia no mundo haver
Que os motivos da rosa:
Cor em choque, rubros beijos,
Alvos, raros pássaros
Que às vezes pousam em meu jardim.
Que outras formas mais completamente
Revelariam o que sentimos, este amor
Em cores tantas, em múltiplas instâncias:
Rosa dos ventos em caprichos de lua
Ora a negar-nos, ora a nos conceder
Por inteiro o seu perfume, a sua face.
Brindemos, pois, amantes,
Com o mais fino licor das rosas,
Tão finitas & sempre vivas,
Tão óbvias & super novas,
Tão dolorosamente espinho
E ainda amorosamente rosas:
Eis o amor
Em sua mais irretocável metáfora –
O resto são prosas.


Fernando Campanella